Desta vez trago-vos um tema tão bombástico, como aquelas discussões de comentários sobre qualquer coisa no Facebook. Especulação Imobiliária. Pumba! A loucura das loucuras em Lisboa, mas vamos por partes…
Comecei a trabalhar como consultora imobiliária, mesmo antes de se atingirem estes preços malucos. Quando arrisquei e vim viver para Lisboa, nunca tinha vendido uma casa na vida, sempre trabalhei em vendas, mas não a este nível. Foram-me apresentadas as condições, que na altura me pareciam bastante boas e decidi experimentar este ramo. Comecei com a formação, que é bastante importante, para quem quer enverdar por este caminho. Há quem pense que vender casas é só angariar e vender. Não. Há um conjunto de processos que têm de ser seguidos. Primeiramente, temos de aprender a linguagem imobiliária. As “casas” passam a “habitações ou imóveis”, moradias são reduzidas à letra “V” somando os quartos que têm (V5 nos Olivais, V6 em Cascais etc) e os apartamentos à letra “T” juntamente com os quartos que tem (T1 ou T2 em Lisboa, etc), “venda” é substituida por “transação” e “alugar” resume-se a “arrendar”.
Depois começamos a investir do nosso dinheiro: é fitas, é cartões, é placas, é folhetos, é capas, são canetas entre tantos outros materiais de publicidade. De seguida, vamos analisar a zona para onde vamos passar a atuar e aqui é onde começa a guerra. Todos querem as grandes zonas: Avenidas Novas, Alvalade, Expo, Arroios, entre outras. Fiquei em Marvila. Adoro Marvila. Quando comecei a trabalhar como consultora imobiliária, Marvila ainda não era uma zona muito explorada, sempre teve um bocado o estigma de ser um conjunto de bairros sociais e confessemos que o filme “Zona J” também não ajudou muito. No entanto, Marvila, agora, é a nova sensação de Lisboa. As tascas do “Zé” ficaram nas sombras das cervejarias artesanais, as mercearias das lojas vintage e o ponto de encontro da jogatana da sueca deu lugar aos condominios de luxo, que ainda estão a ser construídos. As agências imobiliárias começaram a brotar como cogumelos no meio do nada e há agências para todos os gostos e feitios, quase que se pode dizer, que existe uma agência imobiliária à porta de cada cliente, para nem terem de andar muito.
Beato era “velho”, era antigo, hoje os habitantes de lá queixam-se do barulho que já por lá existe e todos os dias são importunados pelos consultores imobiliários sempre com a mesma frase “temos clientes que compram aqui na zona na hora!”. As caixas de correio ficam atoladas de folhetos, folhinhas e cartões e este é um dos processos mais importantes para um consultor imobiliário. A prospeção, que trocado por miúdos, significa andar horas a pé, subir e descer andares e mais andares e bater às portas, é onde grande parte dos negócios acontecem. É mais fácil, obviamente, ficar no escritório ir ao OLX e ver o que andam os proprietários a publicar e fazer umas quantas chamadinhas. Em 5 chamadas que fazem, conseguem apenas uma angariação. De prospeção na rua, todos sabemos que a ERA é das que melhor domina, é um consultor por rua.
Depois, existe um outro processo que temos de interiorizar, o “exclusivo”. Os proprietários fogem desta palavra, basicamente, como o diabo da cruz. “Exclusivo”, como o nome não indica, significa que apenas uma imobiliária trabalha o imóvel, nem o proprietário pode vender por ele mesmo. Quando comecei como consultora, ainda era fácil explicar e fazer ver aos proprietário as vantagens do exclusivo. Porém, como tudo na vida, as informações e o acesso a elas começaram a ser maiores, o que fez com que os proprietários tivessem acesso a como vender um imóvel. O exclusivo passou a dar espaço ao regime aberto, em que podiam vender a várias agências, os proprietários, os amigos dos proprietários, os vizinhos, ou seja, um “todos ao molho e fé em deus”.
Depois existe um outro processo tão importante que já toda a gente esqueceu: estudo de mercado! E agora é que vamos entrar no cerne da questão.
“Estudo de mercado” significa estudar o mercado imobiliário, analisar o que foi vendido, o que está a ser vendido, comparar as caracteristicas de cada imóvel e apresentar um valor. Quando comecei como consultora, um estudo de mercado era importantíssimo (falo como se tivesse trabalhado há decadas como consultora, só que não)!
As casas vendiam-se pelos preços reais, pelos preços justos. Hoje, como é obvio, muitos proprietários nem sabem o que é um estudo de mercado real. “Vou colocar a minha casa à venda por X valor, porque a minha vizinha também vendeu”. Mesmo que seja uma barraca em Chelas. Eu moro em Chelas e acompanhei o crescimento dos preços. Torna-se cada vez mais dificil encontrar casas em Marvila por menos de 100 mil euros. Na rua onde moro, há uns 2 anos, os apartamentos eram vendidos por pouco mais de 100 mil euros, mesmo estando a falar de um T3 até jeitosinho. Hoje, são vendidos por 260,000€! Malta, 260 mil euros?! Não brinquem comigo. Imóveis sem quaisquer intervenções (palavra que substitui “obras”), pequenos como tudo (até o meu cão tem uma casota maior) e bora lá espetar ali um preço sem sentido nenhum a ver se cola. E sabem que mais? O pior é que cola! As pessoas compram! E Porquê? Porque os preços praticados em Lisboa são super-baratos para os estrangeiros. São as únicas pessoas que conseguem comprar.
Lisboa está na moda e a Madonna veio dar um empurrãozinho. Juntando isto tudo aos preços que estão a ser praticados neste momento, digo-vos já que é uma pechincha para os estrangeiros, que têm agora uma óptima oportunidade para investirem cá. Se vos dissesse a carrada de vistos gold que começaram a surgir… os chineses andam malucos a investir em Lisboa. Contudo, até esses, quando compram, colocam de novo à venda por mais caro ainda, sem sequer terem metido a chave na porta de entrada.
Lisboa vive de turistas é verdade, mas não se esqueçam de quem cá mora. De quem está a ser despejado, porque agora dá jeito mandar embora a senhora de 80 anos que paga 120 euros de renda, para começar a fazer Short Renting. Esta é outra. Quase que, há mais casinhas a fazerem Short Renting, do que propriamente hotéis a acolher turistas. Lisboa é uma cidade de modas, mas esta moda do imobiliário está a ter consequência graves. Durante anos, os proprietários não se preocupavam com os inquilinos a pagarem 120€, ou até menos, era sempre aquele dinheirito que dava para ir às compras, ou até mesmo pagar a prestação ao banco. Agora? Esqueçam lá os 120€ e esqueçam a idade do inquilino! Querem é ganhar dinheiro. Perde-se a dignidade, perde-se a bondade e perde-se principalmente o respeito pelas pessoas. Eu cheguei a ter idosos a pedirem-me ajuda, porque os proprietários os querem mandar embora. Acham isto normal?!
Agora vocês perguntam: “Mas se tu também tivesses a oportunidade de ganhar uns bons euritos, também não ias fazer por isso?”. Sim, de facto faria, mas não perderia a dignidade. Não ia mandar embora um inquilino idoso, ou tenha a idade que tiver, para o olho da rua só porque me apetece. Não. Tem de haver respeito pelas pessoas, senão o que andamos a fazer aqui?
Posso-vos contar que tinha clientes que vinham ter comigo comprar uma casa como eu vou à Primark comprar uma camisa. Sem dinheiro para dar de entrada, sem dinheiro para despesas, zero, nada. Pessoal, os empréstimos a 100% acabaram. O tempo das vaquinhas gordas acabaram e agora têm de se fazer à vida para comprar uma casita. Os bancos começaram a apertar com os empréstimos e digo-vos que foi a melhor decisão que tomaram.
Conto-vos também que tive clientes a perguntarem-me como podiam fazer para verem se os pais tinham casas em Lisboa que eles desconhecessem. Ao ponto a que chega o carácter de uma pessoa, por uns euros, mesmo que sejam uns bons trocos.
Os preços inflacionaram de tal forma, que os arrendamentos ficaram impossíveis! Há quartos com casa de banho em frente à cama, não é suite, é mesmo WC em frente à cama a ser anunciados por 800€. T0 do tamanho do meu hall de entrada a serem arrendados por 500€. Penha de França, Avenidas Novas, Alfama, Santos, Graça, Baixa, entre tantas outras freguesias em que poderia inumerar uma gigantesca lista dos sítios onde os preços estão estupidamente altos. O problema é que as pessoas precisam de um tecto e os proprietários, mal e vergonhosamente, aproveitam-se dessa necessidade para ganhar dinheiro. Vi casas que não vos passa pela ideia, entrei em casas que eram barracas autênticas, sem a miníma condição e tudo isto a preços completamente alucinados.
Depois juntamente com esta loucura imobiliária, toda a gente quer ser consultor imobiliário. É de facto uma grande forma de ganhar uma boa quantia assim de “repente”, sim é, mas não se enganem. O que pagam de impostos não vos compensa. E digo-vos mais, neste momento, o ramo do imobiliário está “contaminado”. Está instalada a selva, a ganância, o jogo sujo. Só vale o dinheiro. Pensem mesmo bem antes de quererem enverdar por este caminho. E aos proprietários, comecem a pensar se o dinheiro é tudo. Imaginem o verso da moeda, se fossem vocês a ser despejados sem terem para onde ir. Fica a dica.