Meados de 50… José, o pai, despede-se da família ainda o sol espreita envergonhado lá fora. Vai trabalhar, ganhar o sustento da família. Maria, a mãe, prepara o pequeno-almoço para os miúdos e lá segue o rapaz, a pé, para a escola primária. Já a menina fica em casa com ela: hoje vão fazer pão, arrumar impecavelmente a modesta casinha e, se houver tempo, bordar um bocadinho!
São uma família feliz!
Outubro de 2018, num bloco de apartamentos, na periferia da cidade, Marta acorda a filha Ema com um beijinho: está na hora de a levar à escola onde a deixa, antes de apanhar o Metro para o trabalho. Àquela hora já a mãe Joana está no emprego, como sai mais cedo, hoje vai ela buscar a Ema à escola ao final do dia e talvez voltem de Metro para casa.
São uma família feliz!
Se há 60 anos a família “normal”, comum e aceite era apenas uma: a de José e Maria, hoje são tantas as famílias “Normais”.
Numa sociedade em plena evolução e num estado de direito democrático, onde a mudança é algo inevitável e natural, as pessoas mudam, os conceitos são alterados e a dita família normal agora é a família “trad”, a família “mono”, a família “homo”, a família “arco-íris”… mas a aceitação? Essa ainda é para alguns uma miragem, um oásis no deserto.
Ser mãe, ser pai é para tantos o sonho de uma vida, um sonho muitas vezes negado, adiado, impossível… e ser filho? Do outro lado da barricada há tantas crianças que só querem um pai, seja ele como for… ter uma família, ser uma família…
As Martas e as Joanas deste mundo lutam com unhas e dentes para lhes ser reconhecido o direito de SERem uma família, até há bem pouco tempo a Joana até podia ser a “mãe Joana”, mas a Marta, essa mãe Marta que para a criança era um tudo, aos olhos da sociedade era um grande Nada.
A 24 de Fevereiro de 2016 foi , finalmente e após quatro chumbos, publicada a lei 2/2016, a lei que permitiu que a Joana e a Marta fossem finalmente a Mãe Joana e a Mãe Marta e sim, a Ema tem agora duas mães e , na escola que frequenta, a Carolina tem um pai, uma mãe, um padrasto, uma madrasta (que nomes feios) e, vejam bem, 8 avós! O Miguel, da sala ao lado, tem um pai Zé e um pai Ricardo, há meninos que passam o fim de semana no pai, a semana na mãe, há outros que têm os dois em casa todos os dias… e por aí fora. São tantas, tantas famílias felizes!
Para quem vê, às vezes não é fácil compreender, afinal, só os vêm ali na escola e que estranho que é tudo isto. Contudo, já dizia a minha avó: primeiro estranha-se, depois entranha-se e lá na escolinha já todos entranharam.
A vida é mesmo isto: uns assim, outros assado, mas todos humanos.
Quanto às famílias? Venha da lá o amor, a saúde, o carinho, a cumplicidade, a comida na mesa e onde houver tudo isto (e mais alguma coisa) há uma Família Feliz!