Letras no feminino: Marquesa de Alorna

No último dia do mês de Outubro de 1750, nascia, em Lisboa, Leonor de Almeida Portugal Lorena e Lencastre (1750-1839), futura Condessa de Assumar e Marquesa de Alorna, conhecida nos círculos ilustrados pelo nome de Alcipe, figura mitológica grega, filha do Deus da Guerra Ares. Os pais de D. Leonor eram oriundos da alta aristocracia portuguesa de então. Seu pai era o segundo marquês de Alorna e quarto conde de Assumar, D. João de Almeida Portugal (1726-1802). Embora o título de marquês de Alorna tenha sido outorgado já por D. João V (1689-1750) em 1748, o acesso à titulação dera-se em pleno reinado de D. Afonso VI (1643-1683), durante a regência de seu irmão, futuro D. Pedro II (1648-1706). Na verdade, este outorgara o título de Conde de Assumar a Pedro de Almeida (1630-1679), em 1677. Herdeiro dos senhorios e comendas de seu pai, Pedro de Almeida foi vereador da Câmara Municipal de Lisboa, deputado da Junta dos Três Estados, tendo também desempenhado ofícios na Casa Real e no Conselho de Estado, bem com o de Vice-Rei da Índia. A mãe de D. Leonor era D. Leonor de Lorena e Távora (1729-1790), quarta filha dos terceiros Marqueses de Távora, D. Leonor Tomásia de Távora (1700-1759), titular, e seu marido (e primo), Francisco de Assis de Távora (1703-1759). Opositores ao valido do Rei D. José (1714-1777) e seu secretário de Estado do Reino, Sebastião José de Carvalho e Melo, primeiro Conde de Oeiras e Marquês de Pombal (1699 –1782), foram implicados na tentativa de assassinato do Rei D. José em 1758, tendo sido condenados à morte no ano seguinte, bem como os seus filhos varões.

Marquesa de Alorna
Marquesa de Alorna

Sorte diversa tiveram os pais de D. Leonor de Almeida Portugal. Seu pai fora encarcerado no forte da Junqueira e D. Leonor de Lorena e Távora enclausurada juntamente com as filhas, D. Leonor, com 8 anos, e D. Maria Rita, com 6, no convento de S. Félix, em Chelas. Esta condição iria marcar irremediavelmente o percurso de uma das mais proeminentes figuras literárias portuguesa, na medida em que terá sido neste ambiente de clausura forçada e ignominiosa, vítima do despotismo do Marquês de Pombal, que D. Leonor terá construído a sua formação intelectual, dedicando-se à leitura, à aprendizagem de diversas línguas, mas também da música e da pintura, como fazia parte da educação de uma jovem do seu estrato social. Cedo revela interesse particular pela poesia, bem como pelas obras do seu tempo, em particular do Iluminismo francês. Ainda em clausura, a fama do seu talento poético circulou para fora da grade do convento, correspondendo-se com outros vultos importantes no panorama literário de então, como a Condessa do Vimieiro, D. Teresa de Mello Breyner (1739-c. 1793), Filito Elísio (1734-1819), de seu nome verdadeiro Francisco Manuel do Nascimento, Frei José do Coração de Jesus, José Ferreira Barroco, entre outros.

A morte do rei D. José em 1777 e o perdão concedido pela sua sucessora, D. Maria I (1734-1816) aos presos políticos, permitiu a saída da reclusão e o encontro com a sua família.

D. Maria I
D. Maria I

No ano seguinte e apesar da oposição paterna, D. Leonor decide casar com Karl von Oyenhausen-Gravenburg (1739-1793), militar, alemão, luterano e sem fortuna própria. Em Fevereiro de 1759, acabam por casar, mudando-se para o Porto até 1780, quando este é nomeado Ministro Plenipotenciário em Viena, graças é intercessão da mulher junto de D. Maria. Durante os quatro anos da sua estada na capital do Sacro Império Romano-Germânico, D. Leonor penetra na vasta teia de relações de sociabilidade da alta aristocracia imperial, bem como na da elite cultural aí estabelecida.

No último trimestre de 1784, D. Leonor e a família encontram-se já a residir no sul de França, em Avinhão, onde se demora até 1790, apesar de ter voltado a visitar Portugal nesse mesmo período. No entanto, o regresso dar-se-ia naquele ano. Três anos depois, falecia o Conde de Oeynhausen. Deste casamento, nasceram 8 filhos: Leonor, Maria Regina, Frederica, Juliana, Carlos, Henriqueta, Luiza e João, embora nem todos tivessem sobrevivido à idade adulta.

Viúva, D. Leonor terá residido entre Almeirim e Almada, embora mantendo intensa correspondência com importantes personalidades literárias da época, como D. Catarina Micaela de Lencastre, 1ª Viscondessa de Balsemão (1749-1824) ou o poeta Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) e gozando inclusive de alguma proximidade à corte, visto ter sido nomeada dama da Princesa D. Carlota Joaquina de Bourbon (1775-1830), mulher do futuro D. João VI (1867-1826).

Todavia, em 1802, é intimada a abandonar o pais pelo Intendente Geral da Polícia, Diogo Inácio de Pina Manique (1733-1805), provavelmente pela sua suposta implicação na criação da sociedade secreta intitulada Sociedade da Rosa. Vive em Espanha algum tempo, mas acaba por se instalar, até 1814, em Inglaterra, mantendo, porém, contacto com portugueses, como o caso de D. Pedro de Sousa Holstein (1781-1850), então embaixador de Portugal em Londres, futuro primeiro Duque de Palmela.

O regresso de D. Leonor a Lisboa dar-se-ia após a morte do irmão e à recuperação dos títulos de Marques de Alorna e Conde de Assumar, que este havia perdido por ter colaborado com as tropas napoleónicas, conseguindo-o em 1823, quando a sua cunhada e sobrinhos já terem falecidos.

É nesse periodo do regresso definitivo de Portugal até ao momento da sua morte, a 11 do mesmo mês que a vira nascer, em 1839, que cimentou o seu lugar como uma das principais figuras literárias na Lisboa de então, não só abrindo os salões das suas diversas casas de residência, como frequentando as assembleias e saraus intelectuais realizados por outras figuras, como Francisca Possolo da Costa (1783-1838), também escritora.

Poetisa cujas obras apenas foram impresas após a sua morte, em 1844, graças ao empenho das suas filhas Henriqueta e Frederica, D. Leonor foi também tradutora, mas sobretudo uma mulher de cultura, envolvida activamente na produção intelectual do seu tempo, servindo de intermediária entre intelectuais de diferentes gerações, verdadeira ponte entre o Iluminismo e o Romantismo que então se adivinhava.

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