Eborense, nascida em agosto num tórrido dia sob o sol alentejano, cresceu entre Estremoz e Lisboa. Estudou Pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.
A Sónia é uma artista plástica multifacetada, mas nos últimos anos tem trabalhado maioritariamente a fotografia e o desenho. A obra da imagem de destaque é de sua autoria e intitula-se “Um salto para trás de olhos fechados”.
Já viu os seus trabalhos expostos no Centro de Arte e Cultura da Fundação Eugénio de Almeida (Évora), Underground Gallery (Lisboa), Museu de Tapeçaria de Portalegre Guy Fino, Galeria Travessa (Lisboa), Bologna Children’s Book Fair (Itália), Galeria VAAG (Lisboa), Casa da Cultura dos Olivais (Lisboa), Centro académico do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, SILOS – Contentor Criativo (Caldas da Rainha), Contextile – Bienal de Arte Têxtil Contemporânea no Palácio Vila Flor (Guimarães), Bienal de Desenho de Almada, Galeria de Desenho D.Dinis (Estremoz), entre outros.
A Sónia aceitou o desafio que lhe fizemos para a presente entrevista e vai falar-nos um pouco sobre o seu percurso profissional.
Repórter Sombra: Olá Sónia, espero que te encontres bem, dado o contexto atual. Já sabemos que estudaste Pintura, mas quando sentiste que era esse o teu caminho?
Sónia Godinho: Olá! Antes de mais obrigada pelo vosso convite. A decisão de ingressar em Pintura na Faculdade de Belas Artes foi tomada ainda na adolescência, assim que comecei a conhecer melhor o contexto cultural e artístico português e os currículos dos artistas que admirava. Entendia que, se quisesse ser artista plástica, era ali que conseguiria uma formação mais completa (académica e contemporânea). Existia também a possibilidade de concorrer a Pintura no Porto, mas optei por Lisboa por me ser uma cidade familiar. Já a decisão de ser artista plástica eu nunca tomei, comecei a desenhar como todas as crianças, muito cedo, e, enquanto as outras crianças foram gradualmente deixando de se interessar pelo desenho, eu mantive a mesma paixão. O desenho foi, para mim, como uma linguagem. Uma linguagem que (em conjunto com fotografia, vídeo, pintura, assemblage, texto, etc) me permite estudar e trabalhar os assuntos que me interessam.
Repórter Sombra: Como se inicia, para ti, o processo de conceção da obra?
Sónia Godinho: O nascimento dos projetos/séries dá-se com uma interrogação. Ao contrário do que é muito comum na arte contemporânea, eu não trabalho sobre o Desenho, eu uso o desenho como veículo. Trabalho geralmente com questões que me preocupam, muitas vezes através da reconstrução de mitos ou histórias conhecidas da literatura. Tudo contamina o meu trabalho, que é um trabalho de apropriação. Uso a música, a literatura, o cinema, até a informação dos media… Tudo o que me possa interessar entra, de uma forma ou de outra, no processo de construção da obra. Às vezes, de uma forma mais evidente, outras menos. Posso dizer que passa por um processo de filtragem que conduz depois a uma reconstrução, sob uma perspetiva filosófica e com aspetos (pretendo eu) poéticos. Porque também é assim que perceciono a realidade.
Repórter Sombra: Imagino que os títulos tenham importância na leitura do teu trabalho, tanto as obras como as séries têm títulos que muitas vezes parecem ter intenções poéticas. Como é o seu processo de atribuição?
Sónia Godinho: Primeiro, nasce a ideia, depois a imagem e depois o título. O título tem uma importância relativa, a importância dele depende da minha intenção, que tanto pode ser a de colocar uma interrogação ao espectador como a de conduzir a sua leitura da obra.
Repórter Sombra: Já tens algum novo projeto em andamento? Caso tenhas, podes falar-nos um pouco sobre isso?
Sónia Godinho: Tenho sim, mas só poderei falar nele daqui a 3 dias, mau timing… (risos) Posso adiantar que estou entusiasmada, que é um projeto coletivo e que vai ter lugar em Évora.
Repórter Sombra: Apesar da pandemia e do confinamento, tens exposto o teu trabalho?
Sónia Godinho: Não, foi uma decisão que tomei, aquando dos primeiros casos de em Portugal. Na altura (Março de 2020), tinha 3 exposições abertas ao público que fecharam abruptamente (em Lourinhã, Moledo e Sousel). Ainda tive um convite para expor que não se concretizou, por causa da pandemia. Depois disso decidi esperar que as coisas se recomponham minimamente.
Repórter Sombra: Tens alguma exposição agendada para breve?
Sónia Godinho: De momento não, mas planeio voltar brevemente a fazer marcações.
Repórter Sombra: E como tens lidado com a pandemia? Qual é a influência que ela tem tido no teu trabalho?
Sónia Godinho: No início, foi tudo muito doloroso e confuso, como me parece ter sido para todos nós. Não só me paralisou como me fez sentir dentro de uma onda gigante que não me permitia ver claramente o que estava a acontecer. Decidi, então, esperar e digerir antes o que estava (e continua) a acontecer. Há uns meses, consegui voltar a trabalhar. O tema dos meus trabalhos mais recentes tem uma relação assumida com a pandemia e com a nossa relação com o que para nós é invisível na natureza (como o vírus).
Repórter Sombra: E em relação aos apoios à cultura, queres comentar?
Sónia Godinho: É um tema sensível. A cultura nunca foi devidamente valorizada no nosso país, que (ironicamente) é um país com imensa gente criativa tanto na arte como na literatura. Para além destes sectores todos, os outros têm sofrido também as consequências deste estado excecional de pandemia, mas o que me parece estar a acontecer é apenas o agravamento de um problema de longa data que começa logo nos buracos existentes nos programas de educação escolar, passa pela desvalorização da cultura e pela noção errada de que o artista/criador deve alguma coisa gratuita ao público e ganha força nos míseros orçamentos para a cultura. São problemas políticos de grande gravidade que espero ver ainda bem encaminhados para as suas resoluções. Não só é possível como necessário. Olhando para isto de uma outra perspetiva, entendo também que vamos todos, independentemente da área em questão, passar por uma época difícil de luta para podermos reerguer o que caiu e o que ainda vai cair. Resta-nos aproveitar esta inevitabilidade da melhor maneira possível, mas de forma lúcida, sem otimismos pobres e gratuitos.
Repórter Sombra: Estamos numa época em que se fala muito de feminismo. Consideras-te uma verdadeira feminista?
Sónia Godinho: Sim, sim! Deveríamos ser todos feministas, a igualdade de géneros é importante para os homens também. Todos sofremos com o preconceito, seja ele qual for.
Repórter Sombra: Tens esperança de que o patriarcado acabe e que haja igualdade de géneros?
Sónia Godinho: Não só tenho esperança como é o que, felizmente e devagarinho, vejo acontecer aqui no ocidente. Mas não nos podemos esquecer que há muito para fazer, não só aqui, mas pelo mundo. E existem países muito menos privilegiados que a maior parte dos países europeus e é importante que tenhamos essa perspetiva. O que existe vai muito para além do que aquilo que conhecemos e do que podemos conhecer, há que ter isso em conta. E mesmo aqui, o machismo está de tal forma enraizado que o encontramos em coisas para as quais somos cegos, à força do hábito.
Repórter Sombra: Sónia, vamos fazer um género de jogo: nomeia uma personalidade do meio musical que te interesse.
Sónia Godinho: Essa é difícil. Vou fazer batota e nomear dois (mas podiam ser mais): Jun Miyake e Patrick Watson. Tive a sorte de assistir a um concerto de Patrick Watson ainda o ano passado, na altura ainda não se conheciam casos de COVID-19 em Portugal, passado pouco tempo o país parou e foi o último concerto que vi (não só o último como um dos melhores). Foi uma experiência imersiva, intensa e inesquecível.
Repórter Sombra: No campo da literatura, escolhe um(a) escritor(a) (não precisas de me nomear! (Risos) e diz-nos porquê.
Sónia Godinho: A minha mãe lia muito e tinha o hábito de ler para mim e para o meu irmão antes de dormir, acho que foi por isso que me interessei muito cedo pela literatura. A importância de determinadas obras ou escritores é sempre respeitante a períodos específicos da minha vida (geralmente entendo o porquê mais tarde). A maior parte deles eu revisito, outros ficaram arrumados lá atrás com as memórias das épocas em questão. Agora ando a redescobrir os autores italianos e, como fiz batota acima, vou fazer aqui de novo. Gosto muito do trabalho de Luigi Pirandello e de Ítalo Calvino. Têm ambos um grande sentido de humor (o que para esta altura difícil em que a realidade parece uma distopia negra é bastante saudável) e são, cada um à sua maneira, geniais. Encontram-se também nas questões que tratam, sendo que o absurdo da natureza humana e da nossa convivência são uma constante.
Repórter Sombra: Costumas assistir a séries? A teres que escolher uma série qual seria?
Sónia Godinho: A série que mais me marcou nos últimos tempos foi a “Dark”, para quem não conhece é uma série alemã (disponível na Netflix) que se debruça sobre os paradoxos temporais da física quântica, que é um tema que me interessa muito. Para além disso, tenho outra teoria sobre a série, que me parece bem mais do que apenas o que escrevi acima. Vejo na trama um paralelismo com o que podem ser as relações amorosas, podemos interpretar toda a história como sendo o complexo percurso de uma história de amor… Esse espelho em que nos vemos “outro”, que coloca em causa a nossa história e a perceção que temos dela, sendo sempre possível uma reinterpretação de tudo o que vivemos até ali (como acontece também num livro de Pirandello chamado Um, ninguém e cem mil).
Repórter Sombra: Uma última questão. Se quisermos adquirir uma das tuas obras, como podemos fazer? E fazes trabalhos por encomenda?
Sónia Godinho: Podem consultar o meu site (www.soniagodinho.com) e contactar-me pelos meios disponíveis, lá encontrarão uma via para mensagens diretas bem como o email e os links das contas das redes sociais. Também faço trabalhos por encomenda, se não estiver a trabalhar em projetos com curadoria ou em séries para exposições marcadas.
Repórter Sombra: Sónia, hoje ficamos por aqui. Foi um prazer entrevistar-te (mesmo sendo à distância). Muito obrigada pelo tempo que nos dispensaste.
Sónia Godinho: Eu fico igualmente grata pelo vosso convite. Se houver uma próxima, que possa ser ao vivo, em segurança e sem máscaras. E é a propósito disso que aproveito para terminar a entrevista com uma palavra de ordem: Esperança.