Insónia

O telefone tocou. Acordei com o toque. Pensei que eras tu. Não ouvi mais nenhum som. Talvez tivesse sonhado e não houvesse nenhum toque. Voltei para a cama. Dei voltas e mais voltas. Não conseguia dormir. Suspirei fundo. Levantei-me e fui até à janela. Havia um mundo lá fora que dormia tranquilo, que descansava e se preparava para um novo dia. Eu não. Estou a pé, sem sono e com recordações que não me largam.

Queria tanto que me telefonasses! Porque não o fazes? Já não te lembras de tudo o que se passou? Daqueles momentos que partilhámos, que vivemos e que ninguém nos poderá tirar? Aconteceram, foram reais, estão num lugar especial, suspensos.

Recordo-me de tantos e bons momentos, especiais para nós que os fomos criando sem dar por isso. Sinto tantas saudades daquelas noites em que tu dormias e eu zelava pelo teu sono. Queria que fosse tranquilo, repousante e revigorante. Eu olhava para ti, com um sorriso nos lábios, sentido-me a pessoa mais sortuda do mundo.

Tinhas entrado na minha vida e tudo se tinha alterado. Foi uma onde gigantesca que varreu uma existência comum, que arrastou um ser para algo mais grandioso e fenomenal. Nada voltou a ser como antes e as pequenas coisas passaram a ter um novo significado. Tu enchias o meu mundo!

Porque não toca o telefone? Temos tanto que falar, contar os nossos pequenos segredos, um ao outro, sem que mais ninguém saiba, murmurar pequenas delícias, só nossas, partilhar olhares e sinais. Como posso esquecer momentos tão grandes e significantes?

O céu é imenso, mas há uma estrela que é só nossa, que sabe tudo aquilo que fomos, aquilo que ainda somos e o que poderá ainda acontecer. Foi ela que nos juntou, que nos cimentou, que nos realizou. Fomos uma obra perfeita do momento que criou corações ao alto, numa constelação especial, num recanto galáctico que só nós sabemos e conhecemos. A nossa luz não se pode extinguir nunca.

A lua olha para mim como se me estivesse a desafiar. Ela sabe que não durmo e provoca-me, lançando raios cheios de memórias que se entranham e me fazem estremecer. Eu sei que tu sabes no que penso, naquilo que recordo e que sinto de cada vez que as imagens me assolam. Tu estás sempre lá, a meu lado para acompanhar este percurso tortuoso, esta angústia que não me larga.

Só quero paz e equilíbrio. Sei que me vais telefonar que tudo voltará a ser como naqueles momentos que queremos que se prolonguem e nunca terminem. Há uma eternidade em cada vida e a minha precisa da tua para se completar. Falta-me a outra metade, o sabor da minha vida, o condimento que activa todos os sentimentos.

Sinto-me uma pequena erva que não medra sem o pó mágico que a faz crescer, aquele toque que estimula e desenvolve o carácter, que permite o desenvolvimento saudável e harmonioso. Sem ti não sou nada, não sou ninguém, não sei viver.

Uns pequenos raios surgem no horizonte. É o sol que se aproxima, cheio de vontade, energético e matinal. Espreguiça-se para um lado, espreguiça-se para o outro e finalmente acorda e levanta-se. Espalha a sua luz e o seu calor. É um novo dia que se avizinha, cheio de novas oportunidades e novidades.

Porque não me telefonas? Tu prometeste que o farias. Vá lá, telefona que eu estou à espera. O cansaço começa a vencer-me. Sinto os olhos pesados, cheios de vontade de se fecharem. Resisto, mas com muito esforço. Mal consigo ficar de pé. Sinto que tudo se vai desmoronar e eu não consigo aguentar.

Não me telefonas. Eu sei que não vais telefonar, nunca. Não vale a pena tentar enganar-me. Nunca me poderás telefonar. Por mais duro que seja tenho de aceitar a verdade. Não vai acontecer!

Toca o despertador. Acordo. Não telefonaste.

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