Quem chega fica fascinado com a paisagem. É um local lindíssimo onde a montanha parece proteger aquelas casas que se refugiaram por ali. Se fosse necessário um cenário para um conto de fadas ou um filme romântico este era o ideal. Um abraço de frescura na secura do Verão que assola sem pena, nos meses teimosos e persistentes. No topo, resta sempre um pouco de neve que acalma as ânsias e activa a imaginação.
O que mais chama a atenção é a estação de comboios. As suas dimensões são estranhas, mais de 240 metros de comprimento e simplesmente 12,50 metros de altura. Está estruturada em 3 planos, dando assim a ideia de um desenho que se anima. Tem mais de 300 janelas e 156 portas duplas, tendo sido a maior construção do género para a época. Tinha um determinado propósito que, felizmente, nunca se chegou a concretizar totalmente. Seria um comando do terceiro reich.
A traça é de Fernando Ramírez de Dampierre e desenrolou-se entre 1921 e 1925. Aqui foram usados materiais específicos como o cimento armado, o vidro, o aço e o mármore. Neste mesmo edifício, estava implantado um hotel de luxo, enfermarias, bares, restaurante e postos aduaneiros, uma vez que estamos a falar de uma zona de fronteira entre a Espanha e a França. Esta obra tinha mais do que uma função e foi intenção funcionar como o maior entreposto ferroviário da Europa.
De corrente modernista Art Nouveau, a sua beleza e proporção foi muito comentada, na altura, tendo atraindo muitos curiosos. A povoação nasce para albergar os ferroviários, aduaneiros, electricistas, pedreiros e respectivas famílias que acabaram por ficar reféns daquele falso paraíso. Este local foi palco de um conhecido filme, Dr. Jivago, permitindo assim uma maior divulgação sem grandes custos e técnicas.
Pouco tempo após a inauguração, deflagra um incêndio que provoca grandes e quase irreparáveis danos. Mais tarde, durante a Guerra Civil Espanhola, a estação é ocupada pelo exército e o túnel é tapado impedindo qualquer invasão por parte da França. A alfândega só foi reaberta em 1939 e entre 1942 e 1945 a sua actividade foi frenética. A suposta neutralidade de Espanha nunca aconteceu e esta estação era o porto seguro para o contrabando.
Durante meses foram movimentadas cerca de 1200 toneladas de mercadorias, incluindo ouro roubado aos judeus. A rota era bem estruturada e simples não deixando nem rasto e muito menos suspeitas. Alemanha, Suiça, Espanha e Portugal, onde ficava tudo depositado em local seguro e secreto. Nesta estação estavam instalados os serviços da Gestapo e das S.S. onde todos os oficiais se movimentavam.
Fica assim provada a ajuda que Espanha deu a Hitler e ao seu regime político em troca do fornecimento de material bélico e forças militares aquando da guerra civil. Ficou igualmente conhecida a quantidade das mercadorias recebidas. Espanha teve direito a 12 toneladas de ouro e 4 de ópio e Portugal, outro suposto país neutro, acolheu 74 toneladas de ouro, 4 de prata, 44 armas e 10 relógios, tudo pilhado aos judeus. No entanto estes dados podem ser somente a ponta do iceberg.
Para relativizar a situação, Canfranc tinha vida cultural que incluía concertos de piano, bailes com valsas e ofertas de chocolates a meninas em idade casadoira. Todos os oficiais eram particularmente simpáticos e generosos nas festas, mas inflexíveis se suspeitassem de roubos. As punições tanto podiam ser as pesadas multas como o enforcamento. Estes furtos, menores, como latas de comida, serviam para minorar a miséria em que viviam as populações e sustentar as casas de família.
Aqui também se encontram referências a agentes secretos britânicos que se aproveitavam das fragilidades dos judeus refugiados e os negociavam como mera mercadoria, conseguindo os seus objectivos. Em 1944 um novo incêndio coloca em perigo não só a estação como também o povoado. Foram recolhidos fundos para a sua reconstrução, mas os mesmos nunca chegaram ao destino. Mais tarde o túnel foi novamente encerrado sendo somente reaberto para exportação de citrinos e posteriormente abandonado pois uma outra rota se tornou mais lucrativa.
O glamour e o transporte deixaram de acontecer por aqui, mas a magia e a história nunca se perderá. Em 2000 foram descobertos documentos que relatam todos os tipos de actividades e benefícios recebidos deixando, assim, fragilizadas as chamadas fontes históricas que defendiam a integridade de países como a Bélgica e a Holanda. Tão pouco que se sabe desta história recente e tanto que ainda se poderá conhecer.
Neste túnel foi instalado o primeiro laboratório, muito antes da criação do CERN na Suíça, onde se estudava a matéria negra. Situado a 850 metros de profundidade, com uma extensão de 1600 metros quadrados e assente em granito maciço, é o local perfeito para as gaiolas de Faraday e estudos de movimentos sísmicos. Desde 1985 que a Universidade de Zaragoza tem físicos, em permanência, a investigarem as profundidades e as partículas. Os Pirinéus Aragoneses ainda oferecem muitos caminhos para serem deslindados.
De estação abandonada passou a museu onde as recriações histórias são frequentes. É aconselhável fazer reserva para as visitas pois as mesmas são bastante requisitadas. A rota do ouro passou por aqui e deixou vestígios que ainda proporciona muito que contar. Os nazis pensaram que conseguiam dominar estas gentes de trabalho, mas enganaram-se. A política e a história, de mãos dadas e a conjecturar destinos, dominaram um período negro. A liberdade falou bem mais alto e agora respira-se, fundo, em momentos de lazer na montanha e nas visitas aos museus que nos contam, sem pudor, tudo o que por lá se passou.