Misturando a ação dos policiais com a imprevisibilidade das relações humanas, “La Casa de Papel” criou uma história eletrizante e, ao mesmo tempo, emocionante. A série acompanha um grupo de ladrões, hackers, especialistas em armas e falsificadores que são reunidos por um misterioso homem, que pretende invadir o prédio da Casa da Moeda Espanhola e roubar a maior quantia da história espanhola. A grande virtude da série está em não deixar reduzir a tensão do rapto em nenhum momento, ao mesmo tempo que não se priva de explorar ao máximo todas as possibilidades de interações entre bandidos, reféns e polícia.
“La Casa de Papel” acompanha um homem chamado Professor, que recruta um grupo de pessoas com capacidades específicas que necessita para alcançar um objetivo que planeia há muito tempo: um assalto de proporções épicas. Enquanto que ele tem o plano perfeito, Tóquio, Rio, Nairobi, Berlim, Moscovo, Denver, Helsínquia e Oslo têm os atributos necessários para colocá-lo em ação. Todos têm nomes de cidades para, assim, tanto protegerem a sua própria identidade dentro do grupo, como não criarem qualquer tipo de relação entre eles.
É, precisamente, quando conhecemos melhor cada um deles, que ficamos mais cativados com a história. Todas as personagens têm histórias problemáticas e têm motivações que os leva a questionar e a não conseguir separar o certo do errado, fazendo com que o público fique do lado dos ladrões. Passados como o de Nairobi, uma falsificadora exímia que perdeu a guarda do filho, após ser capturada pela polícia, carregando drogas para vender, ou a relação de pai e filho de Moscovo e Denver são aquilo que humaniza o grupo de bandidos. Paralelamente, a série faz questão de mostrar que o grupo não é só composto por boas pessoas. Berlim, o segundo no comando da operação a seguir abaixo ao Professor, mostra uma faceta muitas vezes sádica e perturbadora. Até mesmo Tóquio, a primeira apresentada na série, acaba por ter a necessidade de meditar sobre o seu egoísmo e a sua impulsividade. O facto de fazer com que o espectador se preocupe com os bandidos não quer dizer que o público torça necessariamente para o fracasso da polícia.
No outro lado da história, estão os negociadores do sequestro, liderados por Raquel Murillo, uma mulher que tem de lidar com o descrédito do seu trabalho por parte de colegas de trabalho machistas e com o problema particular de ter sido vítima de violência doméstica por parte do ex-marido, também ele policia.
Dentro da Casa da Moeda, a relação entre reféns e sequestradores cresce das mais diversas formas. Do lado de fora, Raquel e o Professor iniciam dois tipos de relações – um jogo de gato e rato para ver quem terá sucesso no fim do assalto e, sem que ela saiba da verdadeira identidade dele, um romance entre os dois.
O resultado disto tudo é uma serie complexa, onde o certo e o errado se misturam constantemente e são relativizados de acordo com as experiências prévias de cada um. Existe uma discussão moral em vários momentos na série sobre o grupo de bandidos optar por ocupar a Casa da Moeda e produzir o seu próprio dinheiro para, dessa forma, não tirar dinheiro de ninguém.
Há quem possa pensar que La Casa de Papel tem uma dose muito alta da intensidade emocional das novelas latinas, mas isso é o que acaba por dar personalidade à série e fazendo com que não seja apenas mais um thriller policial. Na reta final, ligações inéditas são construídas entre os personagens e mais informações reveladoras sobre o passado de alguns deles são-nos apresentadas. Durante boa parte dos primeiros episódios, o público acompanhou um Professor metódico, antevendo os mais improváveis movimentos da polícia, mas, felizmente, a série coloca o estratega em pé de igualdade relativamente à equipa de Raquel. Resta ao público esperar para ver como a história irá caminhar para o fim, enquanto torce simultaneamente pelos ladrões e pelos polícias.