Olá, o meu nome é Maria, tenho 32 anos, moro no número 10 da Rua do Jardim em Vila do Bispo. Sou casada com o João e tenho dois filhos: a Margarida e o Tomás.
A minha casa tem uma cortina com flores do IKEA na janela da sala. No jardim, temos uma árvore florida e três gnomos de jardim.
Hoje vesti uma camisola da Mango azul, umas calças da Zara, um cinto Parfois.
E pronto, é isto! E para os “amigos” ainda está disponível o número de telemóvel e o e-mail.
Imaginem um dia da Maria na rede social, mas sem a rede… Maria acorda, abre a janela com a cortina IKEA e grita para a rua: “Bom dia alegria acordei!!!!” Maria abre o armário e escolhe a roupa, volta à janela e grita: “Maltinha do bairro, o que acham do #ootd (outfit of the day)?” Maria vai tomar o pequeno almoço, desta vez grita na janela da cozinha: “Pessoas lindas, hoje é healthy food o que acham?” Maria vai na rua e alguém lhe pergunta: “Queres saber como serias se parecesses uma estrela de cinema? Para isso só tens de me dar o contacto de todos os amigos da rede pode ser?” “Claro que sim“, diz a Maria. No mês seguinte, Maria vai de férias. “Migos, vou de férias para Tenerife de dia 12 a dia 30! Nesses dias a minha casa fica à mercê de tudo! Mas não se preocupem que vou mandando postais dos sítios onde estiver!“
O filho da Maria, o Tomás, anda no colégio X. Para preservar o menino, ele usa uma máscara de smile amarelo ou, às vezes, um coração sorridente colado na cara. Ah, mas a Maria faz questão de gritar, quando sai de casa que vai pôr o menino à escola, no seu carro XPTO, e, claro, a criança está fardada, não tapa o logo do colégio, porque é chique.
O que vos parece a vida da Maria? Ridículo não é? Então, se é ridículo andar na rua a gritar estas coisas, por que fazê-lo no Facebook ou no Instagram?
Actualmente, vivemos das partilhas, do número de likes, da aparência na rede, mas que riscos corremos ao partilhar a nossa vida desta maneira? Por detrás de cada uma das redes sociais estão mil e uma outras coisas às quais fornecemos toda esta informação de forma gratuita.
Muitas dessas coisas certamente não partilhariamos, se nos fossem solicitadas diretamente, então, porquê e para quê fazê-lo desta forma dissimulada. Por exemplo, quando participamos em determinado passatempo, é-nos apresentado um acordo ou uma lista de condições gerais com as quais temos de concordar, normalmente são umas 4/5 páginas de letras pequeninas que, entre outras coisas, dizem frequentemente que os dados poderão ser utilizados para estatística. Ora, se o comum utilizador do Facebook não vai ler este post por ter mais que 10 palavras e nenhum #hashtag, quantos vão ler esses tais acordos?!
Assim e sem darmos conta estamos, de forma perfeitamente legal a concordar com a utilização dos nossos dados por terceiros. Foi exatamente o que se passou com a famosa Cambridge Analítica. É assim que o Google memoriza o que pesquisamos e nos mostra o que queremos ver, ou o algoritmo do Facebook, quando define um feed para cada um, com base no que vimos, no que partilhamos, no que gostamos. É assim que o Instagram nos mostra mil fotos de gatinhos e nenhuma de desastres naturais.
Sempre que, num qualquer site ou rede social, é respondida uma pergunta ou é dada a autorização para ligações automáticas ao perfil do utilizador, devemos ter atenção àquilo que estamos a partilhar, as informações que partilhamos.
Essencialmente e por cliché que possa parecer, estamos mesmo sob vigia, sob escuta, sob escrutínio e somos nós que nos pomos “a jeito”.
A próxima vez que acharmos giro partilhar o nosso almoço ou a ida ao cinema, imaginemos que o faríamos como a Maria, a gritar à janela, será que ainda o faremos?
P. S. para os curiosos recomendo a série “Blackmirror“, principalmente o episódio “Nosedive“.