Há uns tempos, dois amigos estavam a passear no centro de Braga. Um virou-se para o outro e disse:
– Olha, descobri uma série, vi um episódio e não sei se adoro ou se não vou ver mais.
O outro respondeu:
– Se tu sentes os dois extremos ao mesmo tempo, é porque é uma coisa bestial. Como é que se chama?
– “Black Mirror”.
Duas semanas depois, Sérgio Godinho, estudante de Psicologia, já tinha visto os episódios todos da série recomendada pelo amigo.
Um pouco mais a norte, em Ponte de Lima, Marta Alves deparou com um GIF no Facebook. Era uma alusão a um episódio de “Black Mirror” e a estudante de Ciências da Comunicação decidiu dar uma oportunidade à série. No final do primeiro episódio, a avaliação estava feita: “É perturbador. Mas gosto, por mostrar uma realidade paralela, mas tão perpendicular às nossas vidas.”
“Black Mirror” é isto: uma estranheza absurda que capta a audiência pela plausibilidade dos factos narrados.
Na série antológica criada por Charlie Brooker, há espaço para uma vida que é um reality-show, para um chip que grava todas as nossas memórias, para o regresso de um morto, para soldados programados para o ataque, para viagens no tempo… Enfim, para uma panóplia de fantasia, suspense, terror e ficção científica, que muitos críticos dizem tratar-se de um regresso ao sucesso “The Twilight Zone”.
Nos treze episódios lançados até agora, somos confrontados com uma crítica mordaz à sociedade digital. E como? Simplesmente mostrando realidades alternativas, através de problemas atuais.
Um exemplo: sabemos que as abelhas estão em perigo de extinção. Ora, usa-se esse facto para criar um futuro em que a tecnologia é capaz de criar abelhas, acabando com o problema da extinção. Estaria tudo bem até aqui, não fosse o facto de o governo se ter lembrado de começar a utilizar essas abelhas como câmaras de vigilância. Contudo, o episódio não é só isto… Aliás, praticamente não é isto. Então, “Black Mirror” é capaz de aliar sustentabilidade, segurança nacional, proteção de dados e crime em noventa minutos. Os cenários aparentam ser tão reais, que nos parece que estamos a caminhar para esse mundo ficcionado.
Para Marta, “pensar que isso pode acontecer na realidade é simultaneamente fascinante, simultaneamente aterrador”. Já Sérgio encara as histórias de “Black Mirror” como “um aviso perfeito”, que nos leva a refletir. E, com ele, a série foi mais longe: depois de ter assistido ao episódio “Shut Up and Dance”, sobre hackers, Sérgio decidiu tapar, com um adesivo, a webcam do portátil.
Portanto, uma série que nos entretém, que nos põe a pensar, que nos torna mais céticos, que nos pergunta onde estamos e que nos mostra para onde podemos ir é uma boa série. É arte daquela que nos enche de histórias para contar e que desperta debates. E “Black Mirror” é tudo isto.
Em 2017, a série vai regressar, com seis novos episódios. E a Marta e o Sérgio cá estarão para assistir, nos seus ecrãs pretos.