Nascer, Crescer, Estudar, Trabalhar, Morrer

Todos nós passamos por esse mesmo ciclo, embora as antigas gerações dirão: no meu tempo isso ou aquilo era melhor. A nossa geração e a geração vindoura nasceram com novas e importantes ferramentas como a tv a cores, as consolas de vídeo game, realidade virtual, mais e mais programas de inteligência artificial, casas mais tecnológicas onde à distância de um TELEMÓVEL podemos tudo controlar.

E aí, que entramos no monstro, O TELEMÓVEL, algo que antes era apenas para fazer e receber chamadas, tornou-se um órgão artificial transplantado na nossa mão que nos conecta a tudo, e quando aceitamos nos conectar ao mundo, vamos no habituando a perder essa falsa condição de liberdade.

A vida cotidiana é isso: redes sociais, vídeos de segundos, menos e menos interação com o outro e com o mundo.

Sou mãe de uma menina extremamente inteligente de três anos (não há como fugir do clichê do elogio a um filho. Todo mundo que é mãe/pai sabe como é isso) tentamos com ela não reproduzir erros que achamos terem cometido connosco, mas aí entramos naquele papo de gente que está ficando careta e muitas vezes covarde. Colocamos nossos filhos em bolhas, com 1 ano uma criança já tem um écran colado a cara com muitas cores e pessoas cantando músicas que grudam no nosso ouvido. Me diga se não se pegou na casa de banho cantando: “Baby shark tchutchururu, Baby shark”?

Voltando à minha filha, tentamos ao máximo evitar que ela passe o tempo todo na frente de um écran, mas ela sabe que a partir do meu telemóvel ela pode acessar o Youtube, que este mesmo aparelho pode fazer as compras do mês, pagar em lojas as “prendas” que vê na rua com seus personagens favoritos, sabe que por ele pode falar com a avó por vídeo chamada, e por contaminação de estar num infantário com idades diversas e chegar em casa com palavras e informações novas que aprende com esses outros colegas de idades diversas. Que muitas vezes invalida a nossa tentativa de fomentar autonomia. Se já tenho tudo na palma da mão, por que pensar ou refletir sobre qualquer assunto, vivência, experiência ou coisa? Vamos enferrujando o cérebro e dando espaço as máquinas de nos “facilitarem” a vida.

Pergunte a um adolescente/adulto o que ele sabe cozinhar? O que ele faz nos tempos vagos? Quais são seus sonhos? Sei que se mandar fazer um arroz, essa iguaria complicada passa por uma máquina com instruções de uso de como se faz, sem a adrenalina de fazer em uma panela e ter o devido cuidado para não queimar. Nos tempos vagos, eles estão fazendo vídeos, fotos, lives para as mais diversas redes sociais. Pedindo para seus pais que comprem a nova consola do momento, o novo celular, aquela comida congelada que é uma delícia. E nós, pais, estamos sendo escravos da máquina social, onde por normatividade cedemos a esses pedidos e aos nossos desejos também equivalentes aos deles, aparelhos e mais aparelhos que nos facilitem viver, sem gastar tanto esforço físico e intelectual. E aqueles que saem um pouco desse caminho, são tachados de maluquinhos.

A nossa falta de autonomia é tão flagrante que há hortas portáteis, há robôs para tudo e mais um pouco, as crianças não se sujam, elas falam subscreva o canal e deixe um like.

Ou mãe: “quero uma conta no tik-tok!”. Vamos a um restaurante, café, mercado e vemos cada dia mais zumbis do ter e não seres humanos que realmente gozam a vida que constroem. Todos têm portáteis, pai e mãe comem e cada um esta na sua rede social, com seu grupo de amigos que estão em grupos nos diversos aplicativos de conversa que existem, os nossos filhos também nada nos falam, pois, seguindo os pais também estão com os portáteis ou auscultadores em Bluetooth alheios ao que se passa em seu entorno. E nosso tempo de estar fica condicionando a ter carga no telemóvel, porque sem ter a carga nele, nos sentimos desamparados, enlouquecidos, sem saber como vamos fazer qualquer coisa funcionar ao nosso entorno, nossa cabeça entra em colapso, imagina de uma criança onde tudo no mundo é novidade e damos-lhes a ideia de que ele cabe na palma das mãos?

Seria radicalismo meu dizer: temos de largar as facilidades da tecnologia e voltar ao tempo da pedra para nos educarmos com o mundo e educar quem colocamos no mundo. Contudo, seria um pensamento e opinião idiota a se propor. Entretanto temos de criar mecanismos que nos obriguem a fazer algo. Do que estar simplesmente em redes sociais, comendo comida processada e comprando coisas que façam as coisas por mim. Por mais maravilhosas que sejam essas tecnologias não substituem a realidade, não nos libertam para uma vida mais descontraída.

Minha filha de três anos me pediu uma conta no TikTok, eu me neguei a fazer e lhe disse que essas são coisas de adultos e que nem eu tenho uma conta nessa rede social. Claro que a frustrei, mas passou muito rápido a frustração dela, bastou mudar o foco do interesse e participar junto. A brincadeira voltou para um campo participativo e exploratório e não para o facilitismo de um écran. Daqui por diante surgirão cada vez mais coisas com IA e que deixaremos que elas façam o que antes sabíamos fazer, mas hoje é mais fácil e poupa-nos o tempo. E eu pergunto que tempo? Já não existe tempo, existem telas, já não existe o artesão. Não conseguiremos evitar que nossos filhos sejam cada dia mais dependentes da tecnologia, que amputa a eles e a nós de desfrutarmos de uma sensação de liberdade e escolha. Então que aqueles ditos malucos deixem crianças serem crianças e experienciarem o mundo, que não sejam escravos do trabalho, que parem de pensar que envelhecer é ruim e que vamos conseguir o elixir da vida eterna ao virar a esquina. Não podemos frear as novas tecnologias, mas podemos usá-las sem perder a autonomia.

Share this article
Shareable URL
Prev Post

Julgamento Online e Autoconsciência

Next Post

Silly Season

Comments 2
Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

Read next

Amor não é obsessão

A vida de cada um de nós é feita de tomadas de decisão. É normal que assim o seja ou não fosse o Ser Humano um…

Verdade ou Consequência

Desde há alguns anos que uso a expressão Sociedade Fast-Food para qualificar a sociedade em que vivemos hoje.…