Julgamento Online e Autoconsciência

“Isto das redes sociais é tudo muito bonito sim senhor, mas só quando todas as pessoas que eu sigo partilham a mesma opinião que eu e temos todos a mesma linha de pensamento”.

Não é novo o sentimento de que quando alguém fala nas redes sociais sobre um assunto – seja ele o preço dos rabanetes, a forma de educar um filho, temperar a comida com alecrim ou lavar os dentes a meio do dia – está automaticamente a dizer que quem faz de maneira diferente daquela, “está mal”. Boa parte das vezes não é isso que se passa.

Coisas a ter em conta:

  • A pessoa está mesmo a dizer “quem faz diferente disto está errado?”
  • A pessoa está a partilhar a sua experiência/opinião sobre o tema?
  • É a pessoa que me faz sentir assim ou sou eu que me sinto assim em relação a este assunto?

Exemplo prático, meu, para ser mais fácil. Fiz um story sobre como fazer uma introdução alimentar guiada pelo bebé traz muitos benefícios, apesar de dar mais trabalho e sujidade. Escrevi o seguinte (cito): “Dá trabalho. Dá nervos. Faz tremer a pálpebra. Ouço muitas coisas. Lavo muita roupa. Esfrego o chão. Mas nunca tive de lhe enfiar comida a força, come à mesa connosco e adora comer. Comer é divertido, prazeroso. A hora da refeição e em família, sem ecrãs, so nós a desfrutar. E isso consegue-se quando é o bebe a guiar-nos, quando respeitamos os seus sinais. E não quando lhes emborcamos comida goela abaixo como nos aviários.”

Uma seguidora veio logo mandar mensagem – não zangada, apenas a desabafar – sobre como “isso não é bem assim, nem tudo é chapa 5, não há receitas iguais para todos, eu fiz com a minha filha e tentei muito e não deu. Pode ajudar, mas não quer dizer que funcione com toda a gente” e acrescentou: “Senti-me julgada, embora não fosse esse o teu objetivo, mas é muito fácil falar quando as coisas nos correm bem”. 

De verdade, é fácil falar quando as coisas nos corre bem. É fácil dizer “eu fiz assim e foi maravilhoso”, mas no mesmo prisma – na outra ponta do prisma – também é muito fácil apontar o dedo e dizer “estás a fazer mal porque não é assim que eu faço” ou “a mim correu mal e por isso não podes achar que isso seja correto”. E esta senhora foi muito simpática, mas quantas vezes nos apressamos a sentir e dizer “isto está a ofender-me, tens de pensar/falar de outra maneira” ou “isto não pode estar certo porque não foi assim que aconteceu comigo”.

O exemplo foi de um tema de maternidade, mas quantas vezes não vemos algo ser debatido online e automaticamente ficamos ofendidos por ser diferente daquilo que fizemos ou pensamos em relação a esse assunto. E então, a nossa reação automática é “estou ofendido, isto ofende-me porque não penso assim”, sem sequer pararmos para pensar e racionalizar aquilo que verdadeiramente está a ser dito independentemente do que pensamos sobre isso. 

O que fazer?

Primeiro, ler (ou ouvir) efetivamente e literalmente aquilo que está a ser dito. Perceber se é um relato de experiência pessoal, partilha de opinião, apresentação de factos ou simplesmente um desabafo.

Depois, refletir sobre o assunto em questão: como foi para mim, as condicionantes, os intervenientes, a situação em si.

Por último, cruzar estas duas informações e perceber se o que está a ser dito é mesmo um ataque pessoal ou não. Isto requer um grande nível de autoconsciência e e introspeção, que nem toda a gente tem ou procura ter, porque é simplesmente mais fácil dizer “é assim que eu sou, fui sempre assim”.

É preciso afastar-se dos binóculos e olhar o miradouro em cada situação para não cair num julgamento fácil e rápido daquilo que são as nossas interpretações do que os outros dizem ou escrevem.

Nota: Este artigo foi escrito ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico
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