“São nove e meia da noite e ainda é um pouco cedo para a nossa missão, mas mesmo assim já conseguimos entrever algumas estrelas pejando o céu alentejano, como se um véu com lantejoulas tivesse sido esticado sobre um globo tendo a cidade de Serpa no seu centro.”
A fotógrafa amadora, Helena Gato, diz-me que quando a lua se puser, o que ocorrerá perto da meia-noite, conseguiremos observar mais estrelas do que aquelas que já conseguimos, mesmo estando no centro da cidade. Mas devíamos já sair para conseguir montar todo o material e escolher um sítio porreiro. Assim fizemos.
A astronomia é uma atividade muito procurada no Alentejo, principalmente por dois fatores óptimos para a sua prática: o nosso relevo é baixo e regular, mas com pontos relativamente altos, o que permite termos uma visão mais completa da esfera celeste e ao mesmo tempo a dispersão das nossas localidades faz com que seja muito fácil fugir à poluição luminosa que tantas vezes impede a observação dos astros.
A DarKSky é uma empresa já reconhecida com os seus programas de fotografia e observação de estrelas na zona do Alqueva, mas realizando trabalhos em relação a todo o território Alentejano. Ainda assim eu deixo-vos este pequeno relato de uma saída mais amadora e que pode servir para vos cativar a visitar Serpa por mais um motivo – as estrelas que “luzem” na sua noite.
As noites de Verão são aqui mais tropicais que frescas – nem sempre foi assim, mas tornou-se assim – com temperaturas muito usualmente acima dos vinte graus, é portanto muito agradável sair sem qualquer constrangimento para o campo, ou para um sítio mais elevado.
A nossa tralha de passeio é constituída por uma câmara fotográfica, um tripé e uma lanterna – por lado da fotógrafa. E por meu lado uma muito boa aplicação de identificação de constelações (StarWalk) instalada no meu smartphone e muita curiosidade. A mais posso acrescentar que uma cadeira ou banco poderão revelar-se úteis!
Ainda dentro da cidade de Serpa, subimos ao Altinho de Serpa, o ponto de maior elevação nas proximidades da cidade onde, já acima da maior parte das luzes, conseguimos observar melhor o céu. Eu entretido a tentar encontrar constelações (“Olha, as Três Marias que se vêm tão bem!”), ou à procura das Perseias, uma chuva de “estrelas cadentes” que estava a decorrer naquela noite, junto à constelação Perseu. A fotógrafa a montar o seu tripé, a focar, a preparar o ISO X e a exposição Y… em cinco minutos estava tudo preparado.
Oh e que bem! Para mim foi um pequeno deleite constatar e identificar algumas constelações, as mais simples: Ursa Maior, O Arqueiro, O Ganço, A Cobra. E ver não uma, não duas, mas cinco estrelas cadentes!
E para a fotógrafa penso ter sido um sucesso, pelas lindas fotos que me ia mostrando, onde claramente se identificava o Braço da Galáxia, ou estrada de São Tiago como dizemos por aqui, nas suas cores rosa, azul, roxo e branco – deleites para a vista.
Dali fomos para a Barragem de Brinches, mais afastada da cidade e onde ainda conseguimos tirar melhores fotografias, com a profundidade de um manto de água e o contraste da luminescência da cidade atrás das colinas.
Haveria também a possibilidade de irmos ao apeadeiro do Guadiana, onde o comboio costumava para, junto à velha ponte de caminho de ferro e onde conseguimos tirar fotos recortadas por um relevo mais vincado e em contraste com as luzes dos carros a passar na ponte nova – mais uma vez fui surpreendido pelo resultado que a tecnologia, a arte e a maestria podem fazer. E voltámos para casa satisfeitos com o produto fotográfico produzido e eu por ter descoberto mais uma pérola, um atributo fantástico de Serpa!
Informei-me com quem sabe, o professor Francisco Manuel Féria é um largo conhecedor do universo astronómico desta zona. Abordei-o com algumas questões a que me respondeu prontamente, aqui fica aquilo que aprendi com ele:
Em Serpa, todas as alturas do ano são boas à prática da observação astronómica ou da astrofotografia. Convém referir que cada época do ano nos oferece especificidades diferentes e permitem observar melhor as áreas específicas do Universo.
Assim sendo, no Verão poder-se-á olhar com maior facilidade o Braço da Galáxia e ter acesso a constelações apenas visíveis durante este período. Enquanto que o Inverno nos oferece uma possibilidade maior para procurar e, com sorte, encontrar objetos no céu profundo.
O Professor Francisco aconselha a utilização de um software-planetário como é o caso do Stelarium, para fazer um planeamento e antevisão das observações de acordo com a data e hora ou fazer uma análise histórica das observações, consultando dados anteriores.
Quanto aos pontos ideais de observação, este cicerone referiu dois fatores distintos. O primeiro é a escolha de uma zona mais elevada, como é o caso da Serra de Serpa, com mínimo de vegetação e pouca poluição atmosférica e luminosa. Em alternativa o Vale do Guadiana oferece resguardo da poluição luminosa e atmosférica.
Assim ficamos com uma lista de pontos interessantes para a observação astronómica, junto de Serpa. Uma alternativa muito interessante, diferente e agradável para um serão neste concelho pronto a recebê-lo.
Notas de Campo:
- Altinho (Guadalupe) – 2 km do centro. Ponto elevado com acesso e estacionamento, vista sobre a cidade.
- Barragem de Serpa – a 6 km do centro, pode encontrá-la seguindo a N625. É uma das barragens que lhe proporcionam uma plataforma boa para a fotografia astronómica, boa visibilidade e algum corte ao ruído luminoso proveniente das localidades.
- Ponte de Serpa – 7,2 km do centro. Muito perto da ponte encontrará forma para descer ao apeadeiro, no vale do rio Guadiana e conseguira obter fotos como aquela que mostramos nesta galeria.
- Azenha do Guadiana – Moinho da Amendoeira a 8,5 km do centro é uma das azenhas do rio onde pode encontrar um lugar confortável para se instalar. A vegetação pode constituir um problema e terá de tomar o maior cuidado que a zona junto ao rio inspira.
Assim é, no Alentejo!