Sempre tive uma relação saudável com a comida, aliás os melhores momentos da minha vida têm sido passados em momentos sociais de amigos e família no espaço da cozinha, onde a culinária, a preparação de refeições reúne sempre momentos de boa disposição, de socialização cultural e até diria de partilha de afetos, de histórias, de vidas, sim são essas histórias que nos podem marcar para sempre.
Para além da paixão da escrita e do “mergulhar” constante no âmago das palavras, sempre tive curiosidade e fascínio pela arte da culinária, conhecer a preparação de alguns pratos e sobretudo a forma como certos alimentos desencadeiam, em nós, sensações únicas de bem-estar quase sensorial, de relações de conexão.
É precisamente nesse pressuposto, que não consigo deixar de pensar nos tempos que passei na cozinha com a minha avó materna Celeste Damásio Marques, carinhosamente conhecida e tratada na família como a avó Letinha que viveu herculeamente até aos 99 anos e 9 meses – um marco na nossa família.
Que tempos maravilhosos me percorrem a memória e não posso deixar de pensar nas suas palavras quando estávamos na cozinha e eu aprendia algo novo a nível de alimentos, na preparação dos pratos, particularmente na forma simples como ela dizia: “temos que tratar bem os alimentos que vão tratar bem igualmente o nosso estômago e, por consequência, a nossa saúde”.
Cada receita que aprendi tinha uma história associada e um final feliz ou infeliz, dependendo da opinião de quem iria provar o prato, ou apenas uma frustração por que um determinado prato não tinha corrido bem.
Na minha mente tenho sempre presente as “discussões” que eram mais uma intensa troca de argumentos que tínhamos na escolha dos pratos ou dos alimentos e a forma sábia como a avó Letinha sabia explicar os porquês das escolhas e deixar-me sem mais argumentos, sem mais palavras – porque ela tinha a sábia experiência que uma adolescente de 15 anos, precipitada, ingénua a pensar que sabia tudo – não sabia nada da vida.
Se a avó Letinha me visse hoje iria dizer garantidamente o mesmo, que eu nada sabia da vida na altura, que era uma lírica, sonhadora, mas ao mesmo tempo pura, não estava ainda “contaminada” pelas dificuldades, pelos sofrimentos que todos passamos na nossa evolução na vida.
A primeira receita que aprendi e que voltei mais tarde a repetir com a minha mãe foi uma quiche Lorraine, um prato associado à culinária francesa. Este prato é proveniente de Lorraine, com origem na região da Alsácia Lorraine no noroeste de França. A palavra quiche que comumente usamos no vocabulário de culinária no nosso dia-a-dia, provém do dialeto da região Lorraine, que teve ocupação alemã durante a segunda guerra mundial com o significado de “Küchen”, que significa torta. Este prato tradicionalmente francês é geralmente servido como prato quente principal ou como uma entrada.
A quiche Lorraine que aprendi a fazer com a minha avó Letinha é uma quiche que eu diria de “aldrabada”, porque um dos ingredientes foi retirado e substituído por outro ingrediente mais “saudável”, isto é, as natas tradicionais que alimentam a gula famigerada de alguns apreciadores, são substituídas por uma dose superior de ovos que permitem ter uma camada subtil de textura no topo e não causam tanto mal estar para quem é intolerante à lactose como é o meu caso, que só soube desta condição em adulta e por uma coincidência.
A avó Letinha nunca se preocupou em fazer este prato com o cuidado de seguir todos os ingredientes da receita original, gostava de adotar outros ingredientes que faziam uma boa combinação. Aliás, lembro-me tão bem a disposição que ela tinha em preparar esta simples refeição que ela fazia com o maior prazer para a família.
Perdi a conta dos verões em que nos sentávamos à mesa, em família, e partilhávamos a comida, a amizade, a união, inclusivamente os afetos e contávamos histórias de cada um, assistíamos a gerações juntas, a gostos diferentes, enfim, momentos especiais que nunca se esquecem e que ainda perduram e muito na minha mente.
Agora, vou explicar a quiche Lorraine, como disse anteriormente, “aldrabada” que faço muitas vezes, para além de outras quiches de carne, de bacalhau, atum e também vegetariana.
Ingredientes
- Massa folhada 230 g
- Ovos M – 4 unds
- Queijo parmesão ralado – 3 c. de sopa
- Bacon a gosto (2/3 fatias)
- Salsa picada – 20 g
- Nota: ausência de natas, substituídas por mais ovos
Modo de Preparação
Passo 1 – Pré-aquecer o forno a 180/190 ºC.
Passo 2 – Colocar a embalagem de massa folhada (não desperdiçar o papel vegetal) sobre a tarteira com fundo amovível. Cortar o excedente de massa
Passo 3 – Numa taça, misturar os ovos com o queijo parmesão ralado, as fatias de bacon cortadas em pedaços e a salsa picada.
Passo 4 – Rechear a massa com esta mistura e levar ao forno até prender e fazer a ligação dos ingredientes, cerca de 35 a 40 minutos.
Passo 5 – A quiche Lorraine está pronta a ser servida quente ou fria e idealmente com uma salada simples a acompanhar.
Se pensarmos bem, a comida que confecionamos e que preparamos não é mais do que o reflexo do que somos, como pessoas. Se estivermos bem a nível emocional, os pratos saem melhor com outro “charme”, se não estivermos bem a nível das nossas emoções, os pratos tendem a sair mal e sem o toque pessoal que idealizámos.
A avó Letinha dizia que: “a culinária é mais do que uma atitude de criação, é prazer e esse sente-se e transmite-se pelos alimentos que reproduzimos nos pratos, que degustamos e sentimos todo esse prazer nas emoções que despertamos.”
Sejam os “Chefs” de cozinha à vossa maneira, mas sejam felizes e autênticos no que criarem!