“Como dar visibilidade e voz ao que está invisível e silencioso?” é uma pequena apresentação de Fúria (2018), uma das duas criações mais recentes da coreógrafa brasileira Lia Rodrigues e o mote de abertura da conversa que aconteceu na Culturgest com a artista, que fundou a sua própria companhia, Lia Rodrigues Companhia de Danças, em 1990.
Lia Rodrigues, uma mulher inspiradora, compartilhou um colóquio intimista, pautada pela participação de um público bastante admirador do seu trabalho no Centro de Artes da Maré Mare e no mundo da dança contemporânea. Na voz de Lia distingue-se com facilidade a emoção que sente por aquilo que faz, as pessoas com quem trabalha, destacando-se a luta por um lugar onde a arte contemporânea não pertença exclusivamente à elite, mas possa estará acessível a todos enquanto trabalho do coletivo.
É este o processo que desenvolve no Centro de Artes da Maré, aberto ao público em 2009, e na Escola Livre de Danças da Maré, inaugurada em 2011. O senso de comunidade que a artista tantas vezes procura, é equiparado à forma como fala do espaço da dança, das pessoas que trabalham juntas em prol da criação de algum comum. Lia menciona várias vezes que costura ideias corporais nos projetos que desenvolve e é possível sentir, por uns segundos o deslocamento pelo coletivo que existe no centro, no espaço da favela – do corpo coletivo que é um todo na fúria da dança.
A âncora da Lia Rodrigues é, nas suas palavras, a literatura, onde fica marcado o colecionismo de imagens variadas, da ideia da denominação e subjugação. A frase Dançar é um discurso político, dita pela coreografa representa, em grande arte, aquilo que foi falado e pensado durante a sua partilha. Não são necessárias afirmações gritantes sobre política para que a arte posso tê-la como essência.
Dançando na vida e no quotidiano se vê a urgência política que se destaca na obra Fúria, que advém em grande parte dos próprios contextos políticos e sociais que transformam esta fúria, não em algo devastador, mas em algo que permite a germinação de um amontoado de identidades múltiplas através da construção de espaço única e comum, sagrado. Não se trata nunca de fúria violenta por si só, mas do que belo existe nela e pode trazer – e traz no caso de Fúria – esperança.
Lia refere que dançar é um discurso político. Partilha-o como resposta ao caráter sociopolítico das suas peças: a luta contra a dominação, a cosmogonia indígena – sempre presente na vida – e consequentemente no seu trabalho.