Vida Nova (Manel Cruz)
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A história intermitente de Manel Cruz no mundo da música é já bem conhecida do seu público. E é “seu” de facto, porque mesmo após sete anos de pausa, a legião de fãs que conquistou na altura dos Ornatos Violeta permaneceu nos arredores, à espera de algo cuja chegada não era certa.
Agora, finalmente em nome próprio, o músico de sotaque inconfundível tem uma Vida Nova para viver e oferecer. Em quatro meses forçou-se a escrever música todos os dias, até que desaguou nas 12 faixas que preenchem o alinhamento deste tão desejado disco.
O ukulele foi o seu melhor amigo na composição, mas há mais instrumentos marcantes — como os belos sopros do poema “O navio dela“, romântico de uma maneira, infelizmente, pouco convencional. No entanto, o grande destaque da vida renovada de Manel Cruz vai mesmo para a sua forma de escrever. Se, por um lado, tem faltado constância na sua carreira, o mesmo não se pode dizer do seu jeito com as palavras. Com muita facilidade se encontram faixas que provam isso mesmo:
“Como um Bom Filho do Vento“; “Ainda Não Acabei” (Tu não sonhas quem sou/ Tu não vês nem metade/ Só queria cantar/ Já não sei bem porquê/ Perguntas então por que não pões um fim/ A essa vida sofrida?/ A resposta tem graça/ É que eu adoro esta vida/ Ainda não acabei/ Vamos embora chorar); “Beija-flôr” (Se não me vais ouvir/ Para quê tentar?/ Quero ir onde tu vais/ Esquecer a razão por que parti/ Eu ainda procuro entender/ Beija-flôr/ Como vai ser?/ Olhei para trás/ Que confusão/ Todo o cansaço de uma ilusão); “Invenção da Tarde“; “Onde Estou Eu“; e a derradeira “Vida Nova” (Depois de passar a prova penso em vida nova de olhos na paixão antiga).
Parece que Cruz voltou livre das amarras que até agora o prenderam. Talvez o mais óbvio fosse, até, que o resultado de um período tão longo de pausa, com crises existenciais e autorais à mistura, trouxesse um som mais pesado. Mas o Manel é um daqueles letristas que está confortável no desconforto, na dúvida e na incerteza; por isso, a dureza dos seus questionamentos pode perfeitamente ser acompanhada de acordes simples e cordas suaves. Chame-se a tal combinação o equilíbrio perfeito.
Begin Again (Norah Jones)
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Norah Jones é uma artista mais do que consagrada, famosa pela sua maneira própria de conjugar jazz, blues e pop. A sua mais recente investida, Begin Again, não precisa, por isso, de ser o melhor dos registos para atrair ouvintes. Quem conhece o seu repertório jamais perderia a oportunidade de conhecer outro dos seus trabalhos, até porque ela nunca apresenta a mesma coisa duas vezes.
Embora a sua persona artística seja do mais interessante que há no meio, fazendo sempre a música que lhe apetece, sem qualquer medo e sem qualquer rótulo, esta compilação não vai permanecer na memória. Não é aborrecida, muito menos fraca nos arranjos e nas letras; no entanto, é um registo que passa despercebido junto de conceitos como o de “Come Away with Me” (2002) ou “Little Broken Hearts” (2012).
Há elementos familiares, que já associamos a Jones, presentes em Begin Again. A fusão de estilos, neste caso acrescentando o country e uma eletrónica subtil à mistura, é um ingrediente antigo da artista. Da mesma forma, letras como a de “A Song With No Name” — “If I had a gun/ If I had a knife/ If I had your love/ If I was your wife” — relembram os sabores da aclamada “Miriam“. Existe uma mística comum, criada através da ideia conspirativa que impera em ambas as canções, que volta a merecer aplauso, criando um dos momentos mais interessantes do disco.
Os grandes destaques da compilação, composta por sete faixas que, assumidamente, não estão interligadas, são “My Heart Is Full“, “It Was You” e “Uh Oh“. A voz de Norah surge algumas vezes “enfeitada”, num equilíbrio perfeito entre a sua doçura natural e a contribuição artificial dos arranjos. O piano e os sopros são sempre de excelência e há até algumas surpresas agradáveis nos instrumentais, com batidas viciantes (como é o caso de “Uh Oh”, que é também a melhor letra do alinhamento) e uma personalidade inegável.
No fundo, este é um lançamento despretensioso, bem feito e fiel a quem o criou; peca apenas pela sua natureza compilatória, o que significa que se trata de um pecado menor, honesto e previsível. O experimentalismo de Norah deve ser glorificado e a falta de conceito desilude apenas pela expectativa, já elevada, face ao trabalho da artista nesse sentido. Ainda assim, ouvindo faixa a faixa, é notório que a sedução melódica do alinhamento está alguns níveis abaixo daquilo a que Jones nos habituou.
This Wild Willing (Glen Hansard)
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Glen Hansard não passa propriamente despercebido com o seu novo álbum, o quarto da sua carreira em nome próprio. Desde o seu maior momento de glória, que teve o filme Once como pano de fundo, até à atualidade, é certo que o irlandês não conseguiu igualar o sucesso da banda sonora que o internacionalizou. Mesmo assim, Hansard não se cansa disto e parece ter cada vez mais apetite para criar.
Foi essa vontade selvagem que possibilitou a chegada de This Wild Willing, um registo que não poupa em instrumentos, profundidade, abraços ternurentos e, paradoxalmente, em clímax. Ouvir este álbum é, de facto, uma experiência especial, diferente de qualquer outra que o irlandês alguma vez nos deu na sua carreira a solo. Recomenda-se que o alinhamento seja ouvido de auriculares e num momento de pausa absoluta. As faixas são longas e as nuances são muitas, por isso, a atenção deve ser total.
Os melhores momentos de This Wild Willing são patrocinados pela escrita de Glen, que está cada vez mais afiada, em conjunto com as explosões sonoras que já o acompanham há muito (“I’ll Be You, Be Me“; “Don’t Settle“; “Fool’s Game“). A isso junta-se a ternura que tanto marca este registo, notória em faixas como “Brother’s Keeper“, “Mary“, “Threading Water” e “Leave a Light“. O sussurro parece, também, ser um novo recurso do irlandês. Talvez essa seja uma mudança necessária para o seu processo, com o objetivo de desviar a atenção da sua poderosa — e sempre tão bem gerida — voz e emprestá-la a um conceito maior.
O que é certo é que o quarto trabalho discográfico de Hansard pode muito bem ser o seu melhor até à data. Claramente não se deixou ficar dentro do habitual, desafiou-se e, por consequência, cresceu enquanto escritor de canções e criador de repertório.