Nada me poderia ter preparado para o mundo “fantástico” da gravidez: os enjoos matinais que, deveriam ser chamados de enjoos-todo-o-santo-dia, o bebê encaixado nos pulmões que nos faz tossir indeterminadamente, os pés tão inchados que não cabem nem em chinelas geriátricas… O curso pré-parto, e nem se atrevam a dizer o contrário, é inútil na hora H. Abençoada a Nossa-Senhora-Das-Epidurais. Nesse último esforço, quando o quarto branco e insípido do hospital, começa a girar, esgoto a reserva de força que me sobra… Felizmente, a enfermeira que me fez sentir como uma inútil por não conseguir fazer bem a maldita respiração, terminou o turno, aparece esta nova alma gentil que coloca o meu bebé sobre o meu peito. Os dois, nus, começamos a comunicar através da nossa pele.
Eu rio à gargalhada, espantando médicos, enfermeiros, parceiro e moscas no tecto. Rio-me de alívio, penso, o pior já passou. Porém, nem 1000 horas de cursos pré-parto me poderiam ter preparado para o horror que é o pós-parto. Passamos a gravidez mesmerizadas com o quão grande chega a ficar a nossa barriguinha: demasiado grande e redonda para ser real, uma versão cartoon de nós mesmas. A criatura, expelida do meu corpo da maneira mais violenta possível, chega a este mundo em todo o seu esplendor, transpirando pura perfeição e deixando para trás uma versão deformada de mim mesma. E agora?
Agora, depois de ir-à-guerra-e-voltar, toma lá este ser que está completamente dependente de ti. Dói-te tudo menos a ponta dos dedos dos pés? Que importa, o bebê tem de mamar. Tens pontos desde o umbigo até ao rêgo? Que importa, o bebê tem de mamar. Só te apetece chorar e mandar tudo à…? Que importa, agora és mãe e este ser pequenino, puro e inocente precisa de ti e só de ti e é nesse momento que ou aceitas a tua nova realidade, deixas-te levar pela tua nova existência, ou entras em negação. No meu caso, entrei no estado deplorável da self-pity. Não era suposto esta ser a coisa mais natural do mundo? Não era suposto este ser o melhor momento da minha vida? Onde estavam aqueles instintos maternais que deviam surgir magicamente, do nada? Incrédula, senti-me enganada, senti-me egoísta, má mãe.
Agora que o meu pequenote já tem 16 meses, só queria voltar atrás no tempo e abraçar aquela versão minguada de mim mesma. Abraçar apenas e com isso bastaria para fazê-la entender que sim, os primeiros meses iam ser a coisa mais difícil da sua vida, mas que não seria necessariamente mau, apenas difícil. Que, o facto de se acreditar que todas as mulheres sabem o que fazer só por serem mulheres é uma noção ridícula e romantizada, que ser mãe vem com a prática, com o calejar dos meses, não com o gênero.
Hoje, eu e o meu bebé já encontrámos um ritmo: dançamos a mesma valsa, sabemos o limite um do outro. Claro que há dias que me põe louca e, por momentos, volto aquele estado moribundo de outrora, mas só por um momento: agora sei o que fazer para tornar a situação melhor. Sei que se faz birra, talvez tenha sono, talvez tenha fome, talvez precise de uma boa sessão de miminhos. Ou talvez apenas chore, porque precisa de chorar, porque tem emoções que não entende. Afinal de contas, é um ser humano e tal como eu naquela cama de hospital, há quase um ano e meio atrás, ele chora hoje. Dou-lhe tempo para deitar cá para fora, deixo-o o respirar e, então, encaixo-o entre o meu pescoço e o meu coração. Hoje, adoro ser a mamã desta criatura de olhos gigantes e riso fácil. Amo-o e não há palavra mais forte.
Amo-te, meu Artur.