Conhecia-lhe as dimensões de magistrado, juiz conselheiro e político, mas não ainda a de escritor. Confesso que foi uma surpresa muito agradável ler As Sombras de uma Azinheira, da autoria de Álvaro Laborinho Lúcio. Resumidamente farei alusão aos aspectos fundamentais que caracterizam a obra, grande parte deles através de palavras do próprio autor, em citações extraídas aquando da apresentação do livro.
As Sombras de uma Azinheira é a história de uma família, que atravessa 90 anos, com a revolução dos cravos pelo meio, deixando-nos questões para reflexão sobre o que ainda está para cumprir. Faz menção a temas como a discriminação sexual ou racial, a justiça, o ensino e a relação professor-aluno. Portugal é, na verdade, a figura principal do romance. Com a inerente diversidade de olhares e perspectivas, passadas e presentes, a história narra a cisão entre pai e filha e a relação entre as azinheiras e as suas sombras.
Escrito durante o período de confinamento imposto pela pandemia, a obra teve como motivação o aproximar dos 50 anos do 25 de Abril. Segundo o autor a ideia era “escrever um romance que tivesse como imagem central o próprio Portugal, um tempo antes do 25 de Abril e um tempo depois”.
A história desenvolve-se, pois, entre os 45 anos anteriores e os 45 anos posteriores, sendo protagonizada por duas personagens principais: “um pai que percorre todo o tempo anterior ao 25 de Abril e uma descendente daquele pai, que vai percorrer os 45 anos posteriores”.
Na madrugada de 25 de Abril de 1974 nasce a por muitos esperada filha de Maria Antónia e João Aurélio. Começa a tomar forma a revolução, nas movimentações das tropas pelas ruas de Lisboa e Porto. Haverá um antes e um depois deste dia em que uma criança nasce e Portugal renasce de um longo período de ditadura.
No entanto, a desejada revolução e vinda de uma filha perdem todo o significado para João Aurélio no momento em que se cumprem, devido à morte da mulher ocorrida durante o parto.
A filha Catarina é acolhida e criada pelos tios Rosarinho e António Manuel, a irmã de João e o marido. Cresce longe do pai, enquanto o país dá os primeiros passos numa nova existência democrática. João Aurélio, antigo militante comunista, sonhador e utópico, mergulha no isolamento e na loucura, na obsessão do passado e da morte.
Catarina vai procurando descobrir-se e afirmar-se na sua identidade própria, enquanto a jovem democracia do país se desenvolve, libertando-se dos seus atavismos históricos. Quando diz “eu sou filha da revolução” tem muito a ver com a procura de identidade do próprio país no pós-25 de Abril. Esta ideia é muito colocada como questionamento em Catarina, a dúvida em saber o que verdadeiramente a marca: se 25 de Abril é a data da revolução ou do seu nascimento. Uma angústia que se traduz na inevitabilidade de ter nascido da revolução e na vontade em se autonomizar dela para ser o que é.
A necessidade de Catarina se autonomizar da revolução e do passado é explorada pelo escritor também através do nome da personagem, que, apesar do respeito pela memória de Catarina Eufémia, quer outro nome, porque é outra pessoa, “quer ser autora e protagonista por vontade própria da sua marca e não porque lhe é imposta ou porque vem de trás”.
Cada uma das duas personagens principais narra a sua própria história, mas também é narrada de fora, por um narrador não participante, que é o autor. Álvaro Laborinho Lúcio introduz uma nota que faz a distinção entre o antes e o pós-25 de Abril: João Aurélio, enquanto narrador, é-o linearmente, conta a sua história, enquanto Catarina narradora, é-o sempre em diálogo com o autor, porque é “uma personagem que vem da revolução, é uma personagem em construção, enquanto João Aurélio, que está antes da revolução, é uma personagem construída”.
O romance não é neutro em termos políticos e ideológicos, “porque é uma aposta naquilo que verdadeiramente nos deve conduzir ao triunfo das ideias de Abril”. O que ainda está por fazer ou o que está mal em função do que seria o triunfo dessas ideias.
O título do livro está relacionado com a música “Grândola Vila Morena”, mas vai mais longe pelo significado que tem na história (as sombras de uma azinheira são importantes na vida do protagonista) e na simbologia que as sombras têm ainda hoje na realidade portuguesa. As “zonas ainda sombrias que têm de ser trabalhadas por cada um de nós enquanto cidadãos activos e responsáveis pela condução dos destinos do próprio país”.
“Mais do que um retrato, é um filme”, sugere o autor, que chega mesmo a fazer um intervalo a meio, para distanciar leitores e personagens e voltar a lembrar que a narrativa segue todas as regras de um “romance puro e duro, que mete paixões, amor e morte”, tudo o que precisa acontecer para as pessoas se entusiasmarem com a história.

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