Um-Dó-Li-Tá (…) quem está livre, livre está!

Em plena época de exames e recursos, escolhi falar-vos um pouco sobre uma temática que gera sempre alguma controvérsia: Testes de escolha múltipla.

Existem vantagens e desvantagens para ambos os flancos. Isto é, quer para professores quer para alunos. É, por conseguinte, uma questão de se pesar bem os prós e os contras e tentar perceber o que será mais vantajoso para todos.

Do ponto de vista dos professores, e no que diz respeito às vantagens deste tipo de testes, a correcção é mais fácil, mais célere, basta seguir uma grelha para esse efeito. E numa altura de grande cansaço e desgaste que é o final de um ano lectivo, é, de facto, uma solução bastante apetecível.

Sim, porque, ao contrário do que na generalidade se pensa, um professor não tem, nem de longe nem de perto, o mesmo número de dias de férias dos alunos. Para além das aulas, há a preparação das mesmas, o preenchimento de um sem número de “papelada” e burocracias, correção de tarefas propostas aos alunos, elaboração e correção de testes, tudo isto feito na maior parte das vezes fora dos seus horários normais e sem remuneração extra, já para não falar nas mil e uma reuniões: pedagógicas, de coordenação e de direcção e, a meu ver as mais difíceis delas todas, as reuniões de pais.

No entanto, como desvantagem e para aqueles professores que verdadeiramente se importam, ficará sempre a dúvida se a resposta foi dada em consciência ou se o aluno acertou porque teve sorte ou ainda porque teve a ajuda de algum “espírito santo de orelha”. E, nesse caso, a nota poderá não corresponder ao que o aluno na realidade sabe.

Do ponto de vista dos alunos e no que concerne às vantagens, estas só existem para quem não se revê a escrever muito. Aliás, desengane-se quem pensa que estes testes/exames são “de caras”. Na verdade, são até duplamente mais difíceis, e, portanto, desvantajosos, e passo a explicar porquê: os alunos têm que ter uma capacidade extraordinária de interpretação e, além disso, têm que ter a matéria toda “na ponta da língua”, pois um “e”, um “ou” ou até uma simples vírgula podem alterar todo o sentido de uma frase, induzir em erro e deitar tudo a perder na altura da escolha. O peso da responsabilidade (para quem a tem) e o nervosismo, são igualmente factores de impedimento da lucidez e discernimento tão necessários nesses momentos. Por seu turno, aqueles que se sentem confortáveis a dissertar, não conseguem dar asas à sua imaginação o que poderá ser deveras frustrante.

Mesmo assim, ainda há quem pense que os testes de escolha múltipla são efectivamente uma bênção de final de ano. E, na verdade, não é difícil perceber porquê.

Os nossos jovens lêem cada vez menos, vêem cada vez menos programas de qualidade (na verdade há poucos, há que saber escolher) e, por outro lado, sucumbem cada vez mais e com maior facilidade a tudo o que está ao alcance de um click, não se esforçando para nada e ficando reféns de conteúdos medíocres e que em nada abonam para o seu crescimento quer físico quer intelectual, quer pela sua inutilidade, quer pela sua má influência, quer ainda pela língua e pela linguagem utilizadas.

Esse tipo de conteúdos, e no que concerne à linguagem, seja em que língua for, é descuidada roçando até a brejeirice (se quisermos imaginar um “pi” de cada vez que é proferido algo brejeiro, há alturas em que seria um “pi” longo e sem qualquer interrupção).

Quanto à língua, bem, basta ouvir durante dois minutos um diálogo entre jovens que rapidamente nos apercebemos da quantidade de estrangeirismos utilizados, sejam eles de origem anglo saxónica ou de português do Brasil.

Ora, todas estas condicionantes levam a um atrofiamento do cérebro, a uma incapacidade crescente e atroz de raciocinar e, como consequência, de se expressar. Os vocábulos ficam reduzidos e a tendência é escrever conforme se fala, isto é, sem criatividade e com (inúmeros) erros ortográficos e gramaticais.

O que mais choca, é imaginar que estes jovens serão os professores de amanhã. Que difícil será corrigir algo que lhes está no ADN.

Sendo que, o facto de saber interpretar e saber escrever é transversal a todas as disciplinas, não podemos cair na tentação de separar as ciências das humanidades. Uma má interpretação e uma má escrita prejudicam a elaboração/construção de uma reposta seja em que disciplina e em que contexto for.

Em suma, não é preciso sermos detentores de uma bola de cristal para prever que a mediocridade se irá instalar (se é que não está já instalada).

Resta-nos a esperança! Que tenhamos sempre o discernimento, o conhecimento (e a vontade de o procurar) e o arrojo necessários para fazer as escolhas mais acertadas em todos os segmentos da nossa vida.

Nota: Este artigo foi escrito seguindo as regras do antigo acordo ortográfico
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