“Um cidadão autónomo não é independente dos outros, mas significa que tem controlo sobre as suas atividades e que aprova os valores que lhes estão implícitos. É «razoavelmente livre» e tem algo a dizer como as coisas são feitas [Parafraseado]”
Será que os políticos nos representam? Acho que não seja muito difícil encontrar cidadãos que respondam negativamente a esta questão, e os movimentos que surgem hoje contra o estabelecimento ou contra as elites mostram precisamente isto. O livro assume que o leitor reconhece este facto, e também está interessado em se informar mais para melhores escolhas no momento de exercer o voto, ou quando tem de tomar alguma posição sobre esta ou aquela política.
As nossas democracias não estão a funcionar e precisamos de recuperar o controlo sobre o nosso futuro. Se os políticos no nosso país já mal nos representam, e se preocupam mais com os seus semelhantes e elite empresárias, quanto menos aqueles que estão em Bruxelas. Ainda que tecnicamente sejamos considerados cidadãos europeus, na prática, por razões culturais e políticas, estaríamos a mentir ao dizer que, intuitivamente, nos preocupamos tanto com o cidadão na Alemanha da mesma forma que nos preocupamos com os nossos familiares vizinhos – mesmo que tenhamos amigos e familiares por todo o lado, há sempre um lar ou outro que afeta mais o nosso modo de viver.
Os políticos que mandam na Europa identificam-se mais com a elite partidária de onde vêm e com as elites empresariais que lhes fazem lobby, do que os seus concidadãos da classe média trabalhadora. Por consequência, e como ficou claro nos últimos anos, apesar de sermos cidadãos europeus, os políticos sentem o mesmo que nós: têm como prioridade o seu próprio país, ou grupo de países (Norte vs Sul por exemplo). Como podemos descentralizar este poder e ter algum controle sobre o que os políticos fazem?
O verdadeiro objetivo de Manuel Arriaga foi lançar um debate público para reformar os nossos sistemas políticos. Considerando o aparente crescimento do autoritarismo e ressurgimento de velhas ideias, não sei o quanto eficaz foi este livro, e se Arriaga esteja a ver resultados, mas pelo menos confessa-se otimista no final do livro. Os cidadãos vivem – supostamente – numa democracia representativa, mas a classe política deixou de responder perante a população e “nem mesmo as maiores manifestações podem travar uma classe política determinada.” Vemos isto agora, para o bem ou para o mal, em França.
Esta determinação é vivida no nosso país, imaginem quando queremos ser ouvidos em Bruxelas e a própria comunicação social é quem faz juízo de valor sobre a própria vontade do cidadão, e julga até a sanidade do mesmo ou da sua mensagem. O Quarto Estado também não nos representa.
Desde as alterações climáticas, declínio ou estagnação de salários reais, desmantelamento de serviços sociais, imigração, as vozes mais abaixo parecem não serem ouvidas. Conceitos tradicionais de esquerda ou direita não estão por detrás das medidas apresentadas no livro, e eu próprio irei evitar chutar para um lado ou outro.
Primeiro são apresentadas 10 razões pelas quais os políticos não nos representam, nem nos representarão. O que parece que todas elas têm em comum, apesar de originarem de várias áreas do saber, é que apontam para problemas estruturais, ou seja, no sistema político, incluindo o eleitoral. Mudar os atores de uma peça que é má não serve de muito. O que estará sempre em questão é o “interesse público”, que na ciência política pode ter vários significados, mas para o efeito deste livro, será um termo usado e assume-se que nem sempre corresponde os desejos expressos pela maioria da população, incluindo a que viram naquela última sondagem na semana passada.
1. Corrupção é o motivo número um apontado pelos cidadãos, que preocupa os mais moderados, os mais radicais, e provavelmente o que mantém os abstencionistas fora do mundo político. Esta pode ser uma transparente troca de dinheiro por favores, mas também pode ser por interesse. Em Portugal temos exemplos claros de políticos que vão para diretores, consultores ou membros de conselho assim que abandonam os seus cargos políticos, no qual se nota o quanto se tornam mais gentis nas mesas de negociação das instituições que passam a representar;
2. O jogo eleitoral incentiva erroneamente os políticos, e estes adotam posições demagógicas;
3. Política atraí pessoas erradas, sedentes por poder e uma boa reforma, e pior de tudo, não parece ser uma escolha consciente, mas fruto de auto-seleção, isto é, pessoas com as características certas, e modos de vida certos, vão automaticamente acabar na política. Mas ainda que haja aqueles que se juntam para fazer um mundo melhor, e com ambições de fazer o bem, não vão conseguir fazer nada do que desejam sem terem algum poder, e para fazerem mais, necessitam de mais poder. Se há coisa que Nicolau Maquiavel estava absolutamente certo, era nisto.
4. Políticos sentem-se assim imunes ao controlo dos cidadãos, explorando esta ausência de controlo popular apertando sobre suas ações ao aplicar medidas controversas a que os cidadãos se opõem, esperando que o assunto seja esquecido na altura da reeleição. É o paradoxo da teoria de jogos usado pelos economistas, que é o Paradoxo Agente-Principal. Sobre isto à frente.
5. Partidos e eleições corrompem moralmente dirigentes políticos, mesmo que entrem bem intencionados. O processo de seleção corrompe, e isto é uma consequência (ou necessidade) de trepar a hierarquia, para manter o poder e fazer alguma coisa. Os pré requisitos para ganhar eleições requerem agradar ao eleitor, que é uma tarefa difícil, e por isso pretendem manipular a verdade e as próprias relações.
6. A cultura política dominante convida à conformidade e inação, sujeitando-se a serem pressionados a se comportar de acordo com as normas dessa área – adaptar-se ao status quo. Deputados acabam não se dedicando muito ao trabalho político e na redação de leis, ou pelo menos tanto quanto deviam, porque a garantia a uma reforma ao fim de alguns meros anos de serviço os incentiva a isso. Obras que muito provavelmente favorecem os interesses privados de seus parceiros, ou melhorem a sua própria imagem, terão prioridade.
7. A psicologia do poder e identificação com outras elites são fatores biológicos chave, e inconscientes, para o facto da política ser assim. Quanto mais poder tem um indivíduo, menos empatia sente por outras pessoas, especialmente fora do seu grupo, e políticos vêm-se como detentores de poder. Por consequência vão sendo menos capazes de se colocarem no lugar do cidadão, ao longo do tempo.
Indivíduos identificam-se com quem acreditam partilhar características significativas, e desenvolvem uma imagem mais positiva desse grupo, sentimentos de lealdade e maior inclinação para ajudar e cooperar com membros semelhantes – ao mesmo tempo, os que estão fora do grupo são vistos de forma menos positiva, e tem consequências. Então a maior parte dos políticos começa a encarar os dirigentes empresariais, e representantes de outros grupos de interesse, como seus pares. Em definição rebuscada, isto é Teoria da Identidade Social: políticos tornam-se mais abertos aos argumentos apresentados pela elite a que pertencem.
8. A ideologia enviesa o pensamento, e nunca são colocadas em causa, ou pelo menos, não quando mais devem. Chama-se a este processo o Enviesamento de Confirmação (Confirmation Bias). As ideias podem vir de qualquer lado: academia, pessoas com que políticos se relacionam, histórias que lhes tocam…o que vai ditar as suas decisões vai ser aquilo e aqueles com que simpatizam mais, e neste caso será na maior parte das vezes os seus semelhantes sociais. Isto é inevitável e completamente normal, mas pode ter consequências graves em políticas públicas.
9. A classe política não é demograficamente representativa da população geral. Como Arriaga anda pelos States, não será surpreendente encontrar a carta do “homem branco privilegiado socio-económicamente”, mas não deixa de fazer sentido mais significativamente em outros países, incluindo alguns Estados americanos. Felizmente nada é falado à cerca de quotas, ou algo do género, mas à priori, as medidas apresentadas mais a frente ajudariam a contornar isto melhor. Afinal de contas, se só uma etnia ou grupo social faz parte da elite, é óbvio que concidadãos de outras etnias e origens terão mais dificuldade em serem ouvidos. Algo que não seria problema com um olhar esperançoso perante os bons exemplos de integração e tirar exemplos daí, em vez de consecutivamente apontar o dedo ao que não está integrado. É a arma de arremesso do populista de 2023.
10. Porém convém lembrar que é sempre possível que hajam mãos que estejam atadas. Um exemplo significante de política internacional, simplesmente para mostrar o ponto: criticava-se o Presidente Joe Biden por não fazer nada em relação ao conflito Israel-Palestina, mas temos que nos lembrar dos Abraham Accords feitos durante a administração anterior, que colocam Israel e o mundo Árabe em bons termos, no qual nem os EUA nem os Árabes têm interesse em quebrar. Logo surgem no dia a dia impossibilidades nos políticos em agir da forma que é esperada pelos eleitores, descobrindo a impotência em tentar mudar alguma coisa. Em cima disto vem a necessidade de criar projetos e compromissos com outros partidos, e cumprir acordos internacionais ou de instituições internacionais.
Qualquer ação tomada ou política aprovada poderá ter feedback negativo na comunicação social, e na opinião pública. Dependem ainda do sector empresarial: se um governo adota medidas que o sector empresarial considera menos desejáveis, as empresas mudam de lugar, deixando um rasto de desemprego e pobreza; e os mercados globais castigam esse mesmo país com taxas de juro mais elevadas para empréstimos a pessoas ou empresas sediadas nesse país; a nossa forte ligação com a economia alemã justifica um pouco isso.
Origem dos Problemas
Um dos problemas é a fé inquestionável na delegação. As tarefas são delegadas, mas a delegação só funciona bem se existirem mecanismos que alinhem adequadamente os desejos da pessoa que delega a tarefa e as ações do representante. Aqui entre o tal Paradoxo ou Problema Principal-Agente.
Problema do Principal-Agente: um problema estudado por economistas, onde um Principal contrata um Agente, mas rapidamente se torna ignorante em relação ao Agente, porque o Agente tem acesso e posse de muito mais informação que o Principal. Um bom exemplo é os Eleitores (Principal) votam e elegem um Político (Agente), mas o Político sabe mais do que se passa no governo do que o Eleitor. Outro exemplo, imaginemos o dono de uma empresa (Principal) nomeia um quadro diretorial (Agentes) para supervisionar os assuntos da empresa. Rapidamente estes se tornam “mestres”, com mais informação e mesmo poder que o dono da empresa. A grande ideia por trás disto é que os Agentes agem de acordo com os seus próprios interesses, tomando decisões que aumentam sua autoridade e prestígio em vez de autorizarem projetos que maximizam o valor da empresa (ou valorizam o que o povo quer para melhorar país.)
Para incentivar boa governação, terá de haver incentivos para o bom desempenho do Agente, como i) o Principal estabelecer objetivos para o Agente atingir e recompensá-lo (ou castigá-lo) em conformidade com os resultados. ii) Uma cultura que promova honestidade, profissionalismo, ou compromisso com um ideal de serviço público seria imperativo; iii) Criar laços emocionais com o Agente também criaria mais empatia.
Contra-indicações: i) as eleições são um mecanismo de supervisão de comportamento do agente (que podem motivar reeleição), mas mais tarde ou mais cedo cria-se o Paradoxo; ii) infelizmente não existe mais uma cultura de serviço público e na sua vez existe uma propaganda e procura por eleitores feroz e agressiva, e estratégias de puras relações públicas. É essencialmente um comércio de produto político, não de valores ou soluções; iii) políticos identificam-se com uma casta diferente, até mesmo com outras elites, e não com a casta da qual pertence o eleitor.
Outro problema reside na irreflexão no ato de voto, algo que não temos exatamente culpa devido à forma como lidamos as nossas vidas, e não tomamos decisões ou conclusões tão informadas como seria de esperar. Votamos num político baseados em intuições relacionadas com a sua honestidade e razoabilidade. Também influenciados pela simpatia que temos no partido, manifestando-se o mecanismo de identificação, ou seja, o tal fenómeno de Enviesamento de Confirmação. Porém, problemas políticos complexos não têm solução intuitivamente evidente. Somos presas fáceis, onde a disponibilidade de recursos e informação é menos que a da classe política, e esta faz proveito disso, disponibilizando apenas uma imagem atraente de si própria, e posições políticas algo ambíguas.
Vamos então às ideias apresentadas:
#1 DELIBERAÇÃO CÍVICA
Inspirado no Noroeste do Pacífico, como em Oregon, EUA ou na Columbia Britânica, Canadá.
Um grupo de cidadãos é incumbido de decidir coletivamente sobre um problema político. Consultam especialistas de vários lados e especialidades, ouvem representantes de grupos de interesse, e com apoio de mediadores, debatem em grupo, explorando o problema. Este painel será autónomo: decide o que precisa de saber e as suas fontes e que especialistas de diferentes posições devem consultar. Depois de um período de deliberação, o grupo toma uma decisão coletiva sobre o assunto em questão, através de votação, e emite uma declaração política, como um documento para expor ao público e comunicação social. Cidadãos não são selecionados, são recrutados a partir do eleitorado aleatoriamente, nomeados então por um mandato único não renovável, para que não haja sede por poder.
Este conceito inspira-se na Pólis de Atenas da Antiguidade, mas não deixa de ter os seus compromissos:
- cria uma barreira contra várias formas de corrupção, mas,
- também não é replicável à escala da sociedade no seu todo,
- torna os cidadãos vulneráveis à manipulação por parte de interesses poderosos, patrocinando seus apoiantes – o que pessoalmente me parece inevitável em qualquer sistema livre;
- quando convidados a falar, vozes mais extremistas e motivadas podem fazer esforço para serem ouvidas;
- uma pequena amostra da população serve e representa melhor, do que política de portas abertas, embora pareça paradoxal;
Se o processo for conduzido corretamente, cidadãos são capazes de analisar e decidir de forma tão eficiente e informada quanto os políticos, além que esta ordem mitiga as desvantagens.
Algo que precisa de ser ultrapassado é a mentalidade daqueles que querem a classe política toda na prisão (uma vontade encontrada quer em partidários quer em abstencionistas), e ao mesmo tempo não confiam nos seus concidadãos a estarem diretamente envolvidos na formulação e revisão de políticas públicas. As suas estratégias acabam por sair da responsabilidade política, ou paradoxalmente, escolhem eleger Messias.
Fica claro que Arriaga acredita na sabedoria das massas, algo que tem, nos últimos anos, me levantado grandes reservas.
#2 VOTAR COMO OS IRLANDESES (VUT) E FAZER CAMPANHA COMO OS FRANCESES
Objetivos são i) permitir eleitores de exprimir melhor suas preferências e ii) tornar o processo eleitoral mais justo.
Um grande problema é aquele do “vou votar no menos mau” que tem mais chance de ganhar eleições, em vez de votar naquele que realmente se quer. Nos EUA o candidato Andrew Yang foi um caso recente disto, que teve uma legião de apoiantes presenciais e online, auto titulados #Yanggang, e na prática veio a tal desculpa, e acabaram por votar em Joe Biden nas primárias Democratas. Arriaga sugere o Voto Único Transferível, com voto preferencial, que assegura uma forma de representação proporcional, e tem a vantagem de já ser usado na Irlanda, Malta e Austrália em diferentes dimensões, logo já existem casos experimentais para uma melhor adoção.
Os objetivos dos partidos dominantes num sistema eleitoral como este será i) garantir que tenham apoiantes suficientes que lhe garantam maioria; ii) que a base eleitoral dos seus principais adversários seja dividida entre vários círculos eleitorais, de modo a que dentro de cada círculo esse adversário já não consiga obter o número de votos suficientes para conquistar quaisquer lugares; iii) dividir território num vasto número de círculos eleitorais, atribuindo a cada um deles poucos lugares.
Para fazer campanha como os franceses, o objetivo é que a eleição seja uma onde os cidadãos escolhem candidatos por mérito e ideias, em vez de os candidatos sejam beneficiados por aqueles com acesso privilegiado a financiamento. Os políticos dependem demasiado de donativos privados, logo interesses privados. Algo esperado e cultural nos EUA, onde é preciso andar muito distraído para não ver que quem tem imensa influência – faz lobbying – são os bancos e Wall Streeters.
Arriaga sugere o financiamento público de partidos políticos e de campanhas, distribuindo de acordo com o princípio equitativo e democraticamente aceitável. Algo que compreendi ser irónico, visto neste caso o dinheiro vem do Estado, mas ele lembra-se disso, e sugere ainda para quem defende o financiamento privado que as doações individuais sejam modestas, se bem que a definição de “modesto” estará aberta a debate. 1) Este subsídio fixo seria distribuído a qualquer partido que seja capaz de recolher um número mínimo de assinaturas OU; 2) distribuir fundos públicos proporcionais ao desempenho de cada partido na última eleição geral, com os recém chegados a receberem um subsídio básico.
1) aproxima a equidade dos candidatos enquanto 2) oferece feedback direto sobre a performance dos candidatos.
Algo que seria bastante importante seria o uso de plataformas online que permitam a um grande número de pessoas contribuir para a discussão, estruturando algo idêntico à Deliberação Cívica, mas online. Acredito que algo similar já é feito em Portugal também…
Há ainda que notar que limitar o financiamento não serve de nada se a campanha for muito limitada, forçando o esbanjamento de recursos.
O think tank português, SEDES, também tem apresentado, pouco antes das eleições, o seu projeto de reforma eleitoral, que cai nos ouvidos moucos de toda a classe política. Pretendem que o eleitor tenha um boletim de voto onde assinala, com duas cruzes, a força política que quer e o deputado que pretende.
#3 MANTER CONTROLO APERTADO SOBRE AÇÃO DOS POLÍTICOS [ESTADO DE OREGON E SUÍÇA]
Objetivo: manter o controlo do político quando é eleito.
As propostas para conseguir isto focam-se novamente no interesse público e deliberação cívica. Por iniciativa cívica é realizado um referendo, onde são reunidos um número suficiente de assinaturas e sujeitam a medida ao voto popular (chamado também um processo ab-rogativo). É dispendioso fazer isto, porque os cidadãos responsáveis terão de passar por várias etapas até imprimir o documento e dá-lo a conhecer ao resto da comunidade, e por isto o financiamento pode ser explorado por grupos de interesse privilegiados, portanto sugere-se pequenas contribuições individuais, que pode ser algo compensado pelo aproveitamento das tecnologias e fazer também uma campanha online.
Os dois atores em confronto – os prós e contras – devem ter restrições a fontes de financiamento e/ou financiamento público equitativo. Para evitar uma exploração pelos próprios políticos, os referendos devem ter um carácter vinculativo, com um garante de participação eleitoral superior a >50%. Às vezes os políticos sabem que não há participação, e os referendos são usados e abusados, tornando a governação local virtualmente ingovernável, portanto a) os referendos passam por Deliberação Cívica, formam documento informativo e comunicam-no ao resto dos cidadãos; b) deve-se usar os referendos estritamente como maneira do eleitorado julgar as decisões tomadas pelos políticos.
Por fim Arriaga sugere uma possível avaliação deliberada dos políticos, apoiando a medida contestada pelo referendo, apoiando assim também os políticos que a implementaram; ou votariam para anular a medida, mas acreditando na boa fé do político; ou votariam para depor o político e a medida, porque acreditam que o político estava a agir de má-fé.
#4 MANTERMO-NOS ABERTOS A REAVALIAR COMPROMISSOS (INTERNACIONAIS E QUE PONHAM EM CAUSA A SOBERANIA)
Quanto mais membros “integrados” existem na UE, mais os cidadãos se tornam impotentes. Múltiplas camadas institucionais separam os cidadãos europeus das altas esferas de liderança da UE, e estas raramente são responsabilizadas, e quando são, é mais para “inglês ver.” Mais integração força centralização das decisões, incluindo as que deveriam ser tomadas localmente, e os cidadãos deixam de ser livres de decidir como querem fazer as coisas nos seus próprios países, e nas suas próprias comunidades. Esta separação aumenta a clivagem entre os políticos e os cidadãos, tornando-os menos sensíveis às suas preocupações; torna também mais fácil que entidades privilegiadas se dêem ao luxo de enviar para Bruxelas especialistas em lobbying, sem qualquer reconhecimento dos cidadãos.
#5 É PRECISO GERIR COISAS DIFERENTES A VELOCIDADES DIFERENTES PARA GARANTIR EFEITOS A LONGO PRAZO
Arriaga usa a Torre de Tatlin em São Petersburgo como analogia, para provar o quanto hoje é tudo feito a alta velocidade, a pensar a curto prazo. Sugere a criação de um documento com uma grande visão a longo prazo para o país, que engloba: infra-estruturas públicas, políticas energéticas, desmantelamento de partes do Estado, como exemplos, tudo isto realizado através de interesse público e deliberação cívica, mas que para o efeito exclusivo se reuniria de dez em dez anos, para reavaliar o que foi conseguido e o que falta fazer, além de planear novos projetos para progredir a comunidade.
PENSAMENTOS FINAIS
O autor procura de alguma forma um mundo “pós-ideológico”, onde decisões serão tomadas por pragmatismo fundamentado e democraticamente, ultrapassando conceitos pré-concebidos de esquerda ou direita. [acho que por defeito, caímos sempre para um lado ou para o outro, mesmo pelo bem comum, mas não vou entrar nisso aqui].
Contesta ainda a ideia que a globalização das coisas e das comunidades, tornam impossível implementar reformas ambiciosas contrárias aos interesses das elites políticas e económicas que já nos governam. O melhor argumento contra as ideias apresentadas no livro, estará na incerteza como tais alterações numa parte do sistema vão afetar o funcionamento de todo o sistema. Felizmente há projetos piloto e casos reais pelos quais podemos tirar algumas conclusões, e certamente o passo seguinte será tirar proveito da descentralização da informação e criar literacia política e financeira, permitindo dar mais confiança ao cidadão, e aumentar a nossa confiança nos concidadãos.
Democratizar e dar mais poder ao cidadão aumentará a sua noção da realidade, mas também lhe traz mais responsabilidades, neste caso de cidadania e políticas. Em muitas culturas, e se calhar até instintivamente, chuta-se para canto, deixando para os que achamos mais sábios que nós ou com mais tempo que nós. O que este livro quer desmistificar é que independentemente dos canudos e das gordas contas bancárias que os políticos têm, os cidadãos são capazes de tomar decisões difíceis e informadas, especialmente quando tem consequências nas suas próprias vidas. Porém isto também supõe que os cidadãos estão dispostos a ouvir os especialistas, de várias áreas e pontos de vista, e desenvolverem um pensamento crítico dos problemas que querem resolver. Haverá sempre os extremos, os céticos, os populistas, mas matematicamente, segundo o autor, continua a valer a pena.
Algo que Manuel Arriaga fez muito bem foi mostrar os prós e contras das suas próprias ideias, e isto é honestidade intelectual. Acho que este livro é importante para quem se preocupa em descentralizar poder, e realmente se preocupa em retirar o engrandecimento das elites, procurando alternativas mais ao nível de raiz para enfrentar os problemas da sociedade. Não concordando com tudo, acredito ser um livro que ainda vale a pena ler no seguimento dos últimos escândalos eleitorais, e nas próximas eleições Europeias.
O livro pode ser lido online, gratuitamente e em inglês, aqui. Livro de 2015. Sugiro que leiam, ou comprem em Português. Abaixo estão essencialmente as notas que tirei, formando, em geral, um resumo das ideias, mas acabei por desenvolver ou alertar para uma ou outra que achei que poderia estar incluída. Ao final do dia é um livro que se lê magnificamente bem…
Olá, Igor!
Um artigo bastante completo sobre o estado da política. Em Portugal e no mundo inteiro.
A excelente abordagem e a forma como constrói o texto denota uma mente consciente e sensível às questões da sociedade.
Porém, um reparo. É demasiado texto para manter as pessoas atentas ao essencial (embora todos os tópicos o sejam) mas que cansa ler.
Por vezes, menos é mais! Continuação de bom trabalho no RS!
Carmen Martins Ezequiel
Muito Obrigado pelo feedback Carmen 🙂