Começamos assim: este livro é diferente de tudo o que li até agora e não sei classificá-lo. É estranho, é lindo, é negro, é complicado e é familiar. O Luto É a Coisa com Penas fala de… luto. No entanto, não da maneira a que estamos habituados, com uma história e uma estrutura e tudo muito arrumadinho. É trágico à sua maneira, tem a sua história, fala de luto puro, incoerente, desesperante e caótico, em que temos de seguir em frente mesmo estando fora de nós.
É mesmo muito difícil classificá-lo. A estrutura (pensamentos, diálogos, realidades, sonhos, tudo ao mesmo tempo), a linha temporal, as palavras e a crueza escolhidas, tudo é diferente. E tem frases tão lindas que dói. Lindas, lindas. É o lado oposto do cliché. É cru e lindo ao mesmo tempo, é muito triste sem precisar de ser óbvio, e identificamo-nos perfeitamente – aqui é que está o ponto crucial e belo deste livro.
Um marido que perde a sua mulher, duas crianças que perdem uma mãe, um Corvo que os vai ajudar a começar a cura – são estes os protagonistas. Deixo a sinopse aqui. O pai/marido sofre de uma forma, lida com a dor e a vida como pode. Entre a solidão, as memórias, o desespero e algumas piadas e sorrisos, tenta arrastar-se e cuidar dos filhos. Os filhos sofrem de outra forma – são crianças órfãs, nova condição, mentiras, brincadeiras, tristeza e saudades. O luto, a dor, afasta-os e une-os, o sofrimento é tão comum como díspar, mas cuidam uns dos outros e deixam-se levar com ajuda do Corvo. O Corvo é o que quiserem que ele seja e vai ser o que todos eles precisarem que ele seja a cada momento. É uma forma linda de falar sobre… sobre tudo o que envolve uma perda. Não podemos dizer exactamente o que é o corvo, porque parece ser tudo, mas conseguimos perceber perfeitamente o que é e o que faz ali, personagem imaginária e metafórica, tão real como os outros.
Confesso que gostei muito, mas gostei ainda mais depois do fim. Não por ter acabado – não me entendam mal – mas porque é um livro difícil de lidar, em que muitas vezes é preciso voltar atrás e reler, em que ao reler encontramos novos sentidos, e no fim a perspectiva é tão maior e tão mais bonita, que sentimos que também nós começámos a cura de qualquer que seja a nossa perda.
Obviamente que fui procurar a história de Max Porter, o autor fantástico que parece ter colocado a alma neste livro. Quis saber se ele era o pai, se tinha perdido a mulher, como é que alguém poderia escrever isto sem sentir essa dor na pele. E sentiu. Não é o pai – ele foi um filho pequeno que perdeu um pai e, embora toda a história tenha sido diferente, esta é também a história dele. O luto, essa coisa com penas, continua ainda a acompanhá-lo.
Muito, muito obrigada à Elsinore / 20|20 por mo dar a conhecer. Acima de tudo, de louvar que um livro tão inclassificável e diferente tenha sido escolhido para chegar a nós, porque é mesmo lindo. Eu diria indiscritível – no melhor sentido.