Tínhamos acabado de beber cevada em copos, mãos cheias deles, num daqueles bares que me pareceu fazê-lo sentir-se em casa. Daqueles cujas mobílias não são brancas nem têm vasos suecos que, ora assistem flores de plástico ora servem talheres no centro da mesa. Um daqueles bares que rejeitam frases inspiradoras emolduradas – de meter medo aos pragmáticos. Este era daqueles escuros que nos beneficiam o estético e servem o que se é, e não o que se aparenta ser.
O cansaço do discurso cuidado tinha ficado à porta junto da etiqueta que regula o cruzar de pernas das mulheres. Nunca as soube ter nos moldes supostos por mais de cinco minutos consecutivos, nem depois de ter tentado a leitura de idiotices como: “Aprenda com especialistas a cruzar as pernas com elegância”.
Ouvia-se umas guitarras envoltas numa rouca voz de fundo. Eu, ele, copos já vazios de cevada e uma enxurrada de palavrões que me fizeram tocar o pulso da vida. Viemos para falar de qualquer assunto importante, mas as gargalhadas e o sarcasmo apurado não deixaram margem de aborrecimento. Transformámos o mundo todo em ridículo, os dois incluídos.
O bar ia ficando para trás, ressoava “to live, in the present tense”. Semicerrei os olhos, envolvida no embalo da melodia, cantarolando. Gostas de Pearl Jam, disse. Present tense, constatou. Gosto, mas não lhe dou nome, nunca decoro essas partes… quem canta, o que canta. Riu-se – não sei se da minha imbecilidade ou particularidade.
A praia em frente estendia o convite evidente do céu estrelado.
Deitou-se de costas na areia. Segui-o no gesto, pousando a cabeça na sua barriga por me ter parecido à mercê do meu conforto. Os nossos corpos em “T” na praia escura. Dá-me os teus cabelos, uma manta para a ocasião certa, pediu-me. Estiquei-os, a todos os fios que o formam, para trás. Taparam-no até tocar a areia do outro lado do seu corpo. Fez-lhe festas consecutivas nas pontas, poderia ser que eu não notasse o abuso do afeto. Afinal, não nos encontramos para estes propósitos. Fiz de conta que não me apercebi, mas aos meus cabelos… eu sinto-os até caírem. Há quem, levianamente, associe os fios longos à sensualidade. Não são mantas, são mantos: força, raízes, liberdade. Um dia conto-lhe.
Olhamos as estrelas calados por compridos momentos, presos a qualquer coisa. As gargalhadas de antes, o silêncio de agora. Não se planeou assumidamente nada disto.
– És rara.
Não me largava a ponta dos cabelos e o ar faltou-me. Não tinha na memória uma curta frase tão cheia de tudo. Nunca me haviam chamado rara. É que únicos somos todos, isto era outra coisa. A voz revelava que o raro era encanto. “Estou encantado por ti, és um lembrete aceso nos meus dias. E nos meus sonhos… faço com que arda.” Era a entrelinha.
Há estrelas que valem a pena.