Após a contagem decrescente para o filme mais aguardado do ano, aqui está Star Wars: O Despertar da Força, uma obra-prima de 2015 que em breve se tornará um clássico do cinema digital.
Poderíamos começar por enunciar que Star Wars existe graças ao imaginário de uma pessoa, George Lucas, e, como não poderia deixar de ser o cineasta merece todos os aplausos e ovações. Todavia, em O Despertar da Força, a situação conduz a outro trajecto. Todos os elogios são agora direccionados a J.J. Abrams (Star Trek, Além da Escuridão: Star Trek), escolha impecável no rumo que a saga já deveria ter irrefutavelmente adoptado nas prequelas. O seu inspirador trabalho atrás da câmara prova o cliché de como nada é impossível e que os nossos sonhos podem mesmo tornar-se realidade. Enquanto jovem, Abrams era uma aficionado pela cinematografia de Lucas (e até de Spielberg) e o seu registo um quanto pop confirma-o como aprendiz desse mestre, pioneiro da animação computadorizada.

Este Episódio VII começa tal como todos os outros, com a introdução àquilo que estamos prestes a ver e a primeira frase comprova o que pensávamos se tratar apenas de uma estratégia de marketing: Luke desapareceu. Aí não sabemos porquê, mas o segredo é desvendado no decurso da trama. Paralelamente, as forças do mal reergueram e, mesmo com os Sith e o Império derrotados, a Primeira Ordem edificou-se como sistema maior a temer. Os seus líderes são Kylo Ren (Adam Driver) e General Hux (Domhnall Gleeson), em muito semelhantes a Darth Vader e a Grand Moff Tarkin (Peter Cushing) de Star Wars: Uma Nova Esperança – tanto pelo figurino como pelos seus demoníacos instintos. Em boa verdade e com toda a grandeza que o filme evoca, O Despertar da Força é uma homenagem ao filme original de 1977, diríamos que se trata até do seu mais puro irmão-gémeo, longe do artificialismo criado nos anos 90. Um outro exemplo será que tanto Ren, como Hux obedecem ao Lorde Supremo Snoke (Andy Serkis, em mais uma histórica performance-capture), espelho do sinistro Imperador (Ian McDiarmid) dos restantes filmes.

Da mesma forma, a Princesa, ou melhor, General Leia Organa (Carrie Fisher, de quem já tínhamos saudades) lidera a Aliança Rebelde diante das novas adversidades e escolhe o seu melhor piloto, Poe Dameron (Oscar Isaac), para descobrir o paradeiro de Luke. Evidente é que nada corre como planeado e o jovem é capturado por Kylo Ren, mas sem antes guardar um amuleto importante em BB-8 (o dróide laranja e redondo) que conhece Rey (Daisy Ridley), jovem misteriosamente abandonada pela sua família no planeta Jakku. Por sua vez, entre os stormtroopers existe um que não se enquadra nos padrões, seu nome Finn (John Boyega), que deseja algo mais e que com Rey embarcará na aventura da sua vida.
Comum em todos os jovens é o facto da Força estar a chamar. Talvez, porque o contexto em que se enquadram é-lhes completamente estranho, mais cedo ou mais tarde perceberão que o destino lhes tem algo reservado. Além disso, é uma forma eficaz do espectador depreender como são a maioria dos adolescentes dos dias de hoje. Se na trilogia original estávamos diante da juventude rebelde dos anos 70/80, nas prequelas diante dos auto-proclamados gamers, aqui o enredo sugere como a sociedade em rede (das inúmeras ligações que o filme convoca) concebe jovens adultos desorientados, hesitantes em ouvir as opiniões dos seus pais. Culpa destes últimos, porque insistem em (in)adaptar os seus filhos para o tão complexo e banal quotidiano, ou culpa dos descendentes orgulhosos, enquadrados nos estereótipos da sociedade pós-moderna? Será o contexto mediático responsável directo dessas motivações? Essas dúvidas, um quanto sociológicas, dominam Star Wars: O Despertar da Força.

Outros aspectos mostram ainda o já característico complexo de Édipo no sentido freudiano e lacaniano do termo, que domina os restantes filmes da saga. Persistem comportamentos agressivos em relação às figuras paternais e todo o confronto entre gerações que nos habitamos a ver, nomeadamente, quando se trata de Kylo Ren, desesperado por concluir a obra de Vader. O vilão é alguém sem motivação própria, facilmente influenciável ,que não sabe o que quer para a sua vida, ao contrário de Rey que descobre aquilo a que está destinada, em muito por enfrentar os seus traumas com a ajuda de Maz Kanata (Lupita Nyong’o, numa determinante, mas excelente, participação especial). Tudo isso para dizer o quanto são os jovens actores a essência do projecto. Mesmo que Oscar Isaac e John Boyega tenham tempo para se dar a conhecer ao cinema mainstream (o primeiro protagonizou A Propósito de Llewyn Davis, dos irmãos Coen, e o segundo em Ets in da Bairro, de Joe Cornish) são Driver e Ridley a prova de como Hollywood sabe tão bem criar novos ídolos. Em breve, o que se sucedeu com Natalie Portman ocorrerá com a carreira de Daisy Ridley, cuja personagem dispõe de traços semelhantes a Padmé Amidala.

As curtas aparições de C-3PO e R2-D2 são também preponderantes para esse passado, que se quer repetidamente evocar, ao contrário de Captain Phasma (Gwendoline Christie), ou de Lor San Tekka (Max von Sydow), desempenhos poucos notados. Mais ainda, o enredo cria empatia aquando da primeira aparição de Han Solo (Harrison Ford) e de Chewbacca (Peter Mayhew), que chegados a casa – a Millennium Falcon -, confirmam como todas as ‘tretas’ que inicialmente não acreditavam são reais. Enfim, nós também estamos em casa, num espaço mágico e ilusório que nos transporta para outros mundos.

Do ponto de vista técnico, John Williams tem uma das melhores bandas-sonoras do ano, que merece ser ouvida com mais atenção depois do visionamento do filme. Não são apenas meros sons de explosivos que ouvimos, cada ritmo – frenético até – que o compositor cria, constitui marca de um estilo muito próprio que toca as nossas emoções – sentimos aquele mesmo arrepio na espinha de outras experiências clássicas. Já os espaços filmados são tanto reais (com rodagens decorridas em Abu Dhabi, no Reino Unido e na Islândia), como irreais (toda a acção que decorre na galáxia) tal como na trilogia original, e os efeitos voltam a ser da Industrial Light & Magic, uma das maiores empresas de CGI, fundadora desse universo fantástico, que não prescinde do real.

Star Wars: O Despertar da Força não é apenas filme-pipoca e/ou blockbuster, é isso e muito mais. Psicologicamente denso e criativamente animado, o novo capítulo é uma viagem ao passado, ansiosa por seguir em frente, mas que precisa de defender o contexto passado. Veremos se os próximos capítulos estarão à altura deste, que é também um dos melhores filmes do ano pela lista do American Film Institute.
Ficha técnica
Ano de Estreia: 2015/ Título português: Star Wars Episódio VII – O Despertar da Força/ Título original: Star Wars Episode VII: The Force Awakens/ Realizador: J.J. Abrams/ Argumento: J.J. Abrams & Lawrence Kasdan & Michael Arndt/ Elenco: Harrison Ford, Mark Hamill, Carrie Fisher, Adam Driver, Daisy Ridley, John Boyega, Oscar Isaac, Domhnall Gleeson, Lupita Nyong’o, Andy Serkis, Anthony Daniels, Kenny Baker, Peter Mayhew e Max von Sydow/ Música: John Williams/ Duração: 135 minutos
Um agradecimento especial à Brieftwice pelo convite ao visionamento de imprensa.
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