A Organização Mundial da Saúde estima que por dia são submetidas à mutilação genital feminina 8.000 crianças. Tudo em nome da religião e da tradição.
É o que trata o filme flor do deserto, a história verídica de Waris Dirie, nascida na Somália em 1965 no seio de uma tribo de pastores nómadas, que aos 5 anos foi submetida à excisão feminina, aos 13 anos vendida pela família para casar com um homem de 60 anos, aos 18 anos supermodelo internacional e, mais tarde, em 1997, foi nomeada pelo então Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, embaixadora especial da ONU para os direitos das mulheres em África. Uma mulher que transformou a sua vulnerabilidade em força e poder.
Waris significa em somali “flor do deserto”, uma forma de vida que brota e resiste na aridez, como que desafiando as dificuldades impostas pela natureza. Uma criança que cresce e luta pela vida a cada dia numa infância muito pobre, mas ao mesmo tempo feliz e despreocupada, até ao dia em que chegou a sua vez de ser submetida ao costume imposto à maioria das meninas somalis: a mutilação genital. Quando, já com 13 anos, descobre que o seu pai pretende negociá-la com um desconhecido em troca de 5 camelos, contrariando todas as probabilidades, Waris foge com uma extraordinária determinação, atravessando a pé, sozinha, o deserto somali durante vários dias. Consegue chegar a Mogadíscio, capital da Somália, de onde, com a ajuda de familiares, parte para Londres.
Em Inglaterra, com poucos conhecimentos da língua inglesa, sem dinheiro e sem-abrigo, como aquela flor que insiste em sobreviver no meio do deserto, Waris conhece uma extrovertida vendedora que lhe dá abrigo e, acima de tudo, carinho e amizade. A bonita jovem da Somália trabalha no MacDonald’s onde o famoso fotógrafo de moda Terry Donaldson a descobre. A partir daí, a vida de Waris muda radicalmente, transformando-se numa supermodelo internacional cuja história é tão arrebatadora como a sua beleza.
No auge da sua carreira, e depois de encontrar coragem, Waris dá uma entrevista na qual torna público este facto traumatizante da sua vida. “É tarde demais para mudar as minhas próprias circunstâncias, o dano já foi feito; mas talvez eu possa ajudar a salvar outra pessoa”, explica. Mais tarde, Waris é convidada para ser embaixadora especial da ONU, colaborando na luta pela erradicação da mutilação genital feminina.
Waris faz questão de afirmar o orgulho que sente no seu país, na sua cultura e na sua família, não culpando a sua mãe por tê-la segurado em cima de uma pedra enquanto uma mulher a mutilava sem quaisquer condições de higiene, num procedimento que levou tantas meninas à morte. Desculpa o seu pai, porque este não tinha consciência do sofrimento que infligiu sobre ela. Mas realça que tais práticas culturais não precisam de permanecer sob o pretexto de manter as tradições. “Assim como sabemos hoje que podemos evitar doenças e morte com vacinação, sabemos que as mulheres não são animais com o cio e que a sua lealdade tem que ser conquistada com confiança e afecto, ao invés de rituais bárbaros. Já chegou o tempo de deixar as antigas formas de sofrimento para trás”, diz Waris, fundadora da Desert Flower Foundation.
Esta temática tão séria e grave merecia ser mais aprofundada e defendida, já para não falar de evidências que dariam ao filme maior consistência. É por isso que o considero superficial, contrariamente ao livro com o mesmo nome, que foi um best-seller mundial. A história de Waris Dirie merecia mais. Mas mesmo assim, recomendo-o.