Vasco, é a terceira vez que partes e o meu coração teme que desta vez não regresses, pesam-te os anos, falta-te a vontade.
Quis seguir-te, mas as minhas amarras o não permitiram. O que me prende ao cais não é palpável, mas pesa sobre as pernas e impede a partida. Sou das que ficam a acenar vendo partir a nau, de mãos erguidas e olhos rasos de mar.
Tu nunca tiveste amarras, eu sei, mas o que buscas ainda nessa Índia distante? Do que foges tu, Vasco?
Quis perguntar-te isto antes de partires e não fui capaz, as palavras recuaram diante do teu rosto determinado e do teu silêncio. Por isso, a cobardia ou o romantismo de uma carta, não o sei bem.
Não eras assim antes dos mares, antes da distância. Ergueu-se um muro diante de ti e fez-se longe entre nós.
Em mim a vontade permanente de um abraço, com tudo o que há nele de imenso e indizível.
E agora novamente as naus, os mares, o oriente.
És grande, Vasco (como sempre almejaste), tens o reconhecimento do teu país (como justamente mereceste), o reconhecimento dos teus companheiros de aventura (que te admiram), a inveja de alguns (teus contemporâneos) que antes de ti tentaram e falharam.
Porque não vejo nos teus olhos o mesmo brilho que ostentavas, aquando da primeira partida e, sobretudo, nesse primeiro regresso?
Olha em volta, não para o horizonte,mas para dentro das paredes da nossa casa. És enorme também aqui dentro da nossa casa!
Olha para os nossos filhos, eles querem ser como tu e se o que lhes dás é mar, querem mar também; se lhes dás Índia, querem Índia; se lhes dás distância, querem distância!
Experimenta, se voltares, dar-lhes tempo e ternura, que vão endurecendo com os anos.
Deste-lhes a esperança ao partir, dá-lhes a certeza ao voltar!
Ensina-lhes que também no ficar reside a coragem, nessa capacidade dos sonhos pequeninos, daqueles com os quais se vai montando o dia-a-dia e compondo a existência.
Ensina-lhes que não é a distância a torna maior o sonho, ele é tão grande quanto a alma de quem o sonha.
Ensina-lhes as pedras antes das rochas, os rios antes dos mares e serão fortes também. Ensina-lhes a coragem dos afectos antes da coragem das batalhas e serão ainda mais fortes!
Também de ternura se fazem os homens bravos!
Quanto a mim, quero apenas que voltes Vasco, quero que voltes meu amor.
Sempre tua,
Catarina
24 Dezembro de 1524