Revolutionary Road: “o vazio sem esperança”

Olhares e silêncios. Mulheres de vestido e homens de chapéu. Fumo de tabaco e álcool. A intensidade dramática de Revolutionary Road é feita essencialmente desta mistura de profundidades caladas, mas ouvidas. Bem-vindos aos anos 50. Bem-vindos à vida nada interessante dos jovens Wheelers.

Ela é April (Kate Winslet). Ele é Frank (Leonardo DiCaprio). Juntos são um casal que se afoga na dura realidade de pertencer a uma classe burguesa de plástico. Esta é uma história sobre o que se quer ser e aquilo que se é na realidade. Sobre o que se planeia e o que se deixa por fazer.

April queria ser actriz. Tentou e fracassou. Frank pura e simplesmente não conhece um talento ou vocação que lhe pertença. Segue, por isso, o caminho lógico: trabalha como vendedor de computadores, o mesmo ofício que o pai desempenhou durante 20 anos.

Também lógico é viverem numa casa dos subúrbios, onde têm vizinhos com quem conversar e um jardim para as crianças brincarem. Enfim, têm tudo o que devem ter, mas não o que querem.

Moram na Revolutionary Road, um local onde projectaram imagens de gargalhadas e satisfação. Contudo, depressa se apercebem que são as relações entre as pessoas que definem a existência ou não de harmonia. E os Wheelers sabem bem que o inconformismo que os perturba é problemático. Problemático, porque não têm coragem para transformá-lo em oportunidade. A única solução que vêem é ir viver para Paris, o único sítio “onde as pessoas têm vida”, dizem.

A mera ideia de partirem alegra-os e, a meio do filme, vemos finalmente corpos cheios de alma, com um objectivo. April e Frank deixam de ser aglomerados de átomos que se vão arrastando.

Porém, depois há uma proposta de promoção. Há um filho a caminho. Há a vida real a intrometer-se no sonho. April continua a querer partir. Frank pensa que afinal não há mal em ficar.

É por esta altura que surge no ecrã a única personagem que não tem medo de dizer a verdade. Ironicamente, trata-se de um doente psiquiátrico que analisa todos os que estão em seu redor. John (Michael Shannon) acaba por encarnar os comentários que o espectador quer fazer, quase como encerrando em si um coro inteiro do teatro grego. Diz a verdade, mas a verdade também é conflituosa.

Este crescendo de desacordos e contradições mundanas resulta na agudização da tristeza inicial. No desfecho, tudo se torna ainda mais frio e sombrio – sombras que são desconfortantes, se pensarmos que a história não acaba ali, que há personagens que vão continuar a viver assim, imersas na tristeza da passagem dos dias. Não há volta a dar.

Com uma direcção de arte belíssima, o realizador Sam Mendes soube aproveitar bem os jogos de linhas de força e o uso de objectos espelhados para filmar os actores através deles. Os pequenos travellings, nos cenários da floresta e da praia, deram cor ambiente ao rosto carregado das personagens. A sequência de imagens estáticas das divisões sem vida falou por si só, levando-nos a tentar adivinhar aonde iríamos chegar. E a sucessão de sons das tarefas compassadas na cozinha criou um ritmo que acentuou uma espécie de robotização.

Os actores, esses, trabalharam com o olhar de uma forma espectacular e que, percebemos, talvez difícil. De realçar a prestação de Kate Winslet, vítima e vitimizada, com o rosto a apontar para o cansaço dos anos. A banda sonora, essencialmente instrumental nos momentos de maior dramatismo, acompanhou as expressões faciais e os gestos.

Revolutionary Road, adaptado da obra de Richard Yates, não é, então, um filme para entretenimento puro e duro. É um encandeamento de imagens e acontecimentos que parecem ser reais e não ficcionados. É um filme que nos confronta com a monotonia. Dá-nos uma perspectiva de um inconformismo perturbador que não tem solução. E não tem heróis.

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