A actual conjuntura económico-financeira é a principal responsável pela degradação da qualidade de vida dos cidadãos. Isso nota-se no quotidiano quando vemos pessoas na rua com um ar de desalento (ou não fossemos nós um povo que carrega o fado às costas), as lojas vazias, o comércio tradicional em vias de extinção, o que se reflecte num sem-número de empresas a falir e em níveis de desemprego a atingir algarismos altíssimos.
No entanto, é também perante este cenário sombrio e incerto que surgem os chamados empreendedores, indivíduos que assumem a missão (quase) heróica de criar algo novo, de definir novas perguntas e encontrar respostas para os problemas do nosso corpo social.
Embora a palavra empreendedorismo seja um palavrão que tem andado na boca de muita gente e tenha um quê de lugar-comum, a verdade é que a crise é também um cenário de novas interrogações e um terreno fértil para novas invenções.
A novidade ocorre quando o paradigma actual já não é capaz de dar resposta às necessidades colocadas e, deste modo, os enigmas da sociedade são tão prementes que rompem com o arquétipo instituído para dar lugar a uma nova visão.
A questão é: O que resta inventar neste mundo tão complexo e sedento de novidade? Para despertar o espírito criativo e empreendedor é preciso, em primeiro lugar, despir e contrariar a barreira intrínseca ao ser humano que reside na certeza de que já não há nada novo para ser inventado, quer no quotidiano dos indivíduos, como no mundo empresarial. O empreendedor transgride esta ideia pré-concebida, vai atrás de um sonho, de uma ideia que pretende não apenas recriar o seu ambiente mas revolucionar toda a sociedade.
O planeta tem sido constantemente atravessado por transformações muito grandes em períodos de tempo muito curtos, especialmente no século XX, quando foi criada a maioria das invenções que revolucionaram o estilo dos sujeitos a nível dos processos simbólicos e a nível dos processos de reprodução material.
A criação do inaudito visa uma nova interpretação da utilização de coisas que já existem e que, no entanto, nunca foram perspectivadas de outra forma. E é aqui que reside a dificuldade – para essa nova leitura do real, é necessário desmontar o verosímil e o óbvio para conseguir criar algo de realmente novo e original.
Contudo, é preciso deixar a ressalva do quão lancinante é o processo criativo. É preciso passar por momentos de inferno, por um deserto intelectual que parece não ter fim à vista, pela fragilidade que um indivíduo enfrenta quando se expõem aos outros. A dúvida iminente sobre a reacção das pessoas à nova invenção pode ser angustiante e perturbadora. E ainda é preciso conseguir lutar contra o pessimismo dos “velhos do Restelo”, coisa muito tuga, e continuar a persistir numa ideia que pode ser considerada louca ou descabida.
Digamos que os empreendedores são, de facto, pessoas que se destacam das restantes, que têm uma motivação singular e uma paixão desmesurada pelo que fazem. O criativo não quer ser apenas mais uma ovelha no rebanho. O empreendedor almeja algo diferente, capaz de deixar um legado palpável no universo.
A crise e os tempos de austeridade são realmente desoladores e deixam muitas famílias à beira da ruína, sem a esperança de um dia melhor. Porém, é também sob esta atmosfera lúgubre que florescem boas ideias, em que os que são realmente bons e capazes, através de muito trabalho, têm a possibilidade de brilhar.
O empreendedor não se deixa abater pelas dificuldades, muito pelo contrário, são os próprios obstáculos que motivam a sua criação, que o levam a explorar o inexplorado, transformando os “problemas em poemas”.