Ser mãe dói. Quando temos um serzinho tão novo, tão pequenino e tão frágil nos braços há algo em nós que muda para sempre. Demorei a perceber o que era, de onde vinha tanta dor, mas cheguei à seguinte conclusão: a alma cresce tanto que já não cabe mais no corpo.
O que nos dói não é o rasgão, não são os pontos, não é a carne viva. O que nos dói tanto é a pele a esticar para acomodar a alma no seu novo tamanho. Enorme, gigantesca, colossal. Onde agora cabe tudo, e o tudo cresce e cresce a cada dia.
Esta nova alma tão grande é o que nos sustenta nos pequenos gestos mais insignificantes e repletos do maior altruísmo que é possível existir. Deixar as nossas necessidades para segundo plano, mesmo as mais básicas – principalmente as mais básicas – porque a todo o momento aquele serzinho é tão mais importante que tudo o resto. Porque a urgência dele dói de forma dilacerante e tem que ser atendida imediatamente, sem grandes demoras.
Nunca mais a alma volta à sua forma antiga. Fica tão grande e tão preenchida que não há espaço para mais nada. Tudo é sobre aquele ser. Todos os pensamentos, todos os planos, todas as acções. Nunca tanto amor coube em tão poucos centímetros cúbicos. É a maior concentração de amor. O mesmo amor que preenche cada recanto da alma. O amor que luta com a dor e ganha sempre, mas sempre.
Aquele ser tem concentrado em si todo o potencial de uma vida inteira. Tudo o que será um dia está já ali. Tudo o que hoje não vemos. Afinal de contas, aquele serzinho nasceu do quase nada, e já foi um dia menos que microscópico. E olhem para ele hoje. Como pode tanta perfeição crescer do quase nada?
Ser mãe dói. Dói, mas toda a dor se dilui quando olhamos para aquele serzinho, e ele nos olha de volta. E aí persiste a certeza de que nunca nada será igual. E nem queremos. Jamais.
Já não nos interessamos pelos mesmos lugares, as actividades outrora imperdíveis são hoje perfeitamente dispensáveis. Tanto imprescindível que a memória já esqueceu. E literalmente, tanto que a memória esquece, que é varrido da mente, que agora só se ocupa de uma coisa. Tanto fica meio feito, tantos tachos acabam queimados, tantas coisas esquecidas.
Agora o foco é só o serzinho e o cérebro sabe disso. Há meses que se vem a moldar e reprogramar para que assim seja. É só mais uma parte da transformação mais espetacular que o corpo humano (e muitos outros) consegue concretizar.
Ser mãe dói. Dói em surdina, dói na penumbra de muitas noites mal dormidas, dói no choro escondido no chuveiro. Dói na repetição dos dias, dói quando os dias não são iguais. Dói nas horas e horas de trabalho escondido que o mundo não vê e que não valoriza. Dói na alegria de os ver crescer tão rápido. Dói porque um dia já não vão ser só nossos.
A pele estica, o sangue alimenta, a mente molda-se, o espírito acolhe e a alma agiganta-se. E isto aconteceu para toda a gente à nossa volta. Quanta dor de mãe anda por aí.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico.
Fantástico!!! Para ler e arrepiar. Até dói ao ler, mas das dores boas, tal como ser mãe.
Parabéns!!!