Ponto de Fuga

Pertencer a clubes de leitura e ter amigos que leem é um perigo constante.

É o mesmo que assumir que as listas de leitura nunca terão fim e que iremos precisar de muitas vidas para ver o fim à TBR que já nem de pergaminho conseguimos ter noção do que há na fila por ler.

Já falei aqui várias vezes do quanto é importante nos rodearmos dos nossos pares, mas não são só rosas que colheremos de futuro com este pensamento. O que vamos é ter listas e listas dos livros que acrescentamos à velhinha lista que já trazemos há anos num caderninho guardado algures, ou num ficheiro do computador ou numa nota do telemóvel.

Às listas anteriores juntamos as montras dos vários programas e aplicações onde comodamente registamos mais e mais livros e, aplicações essas pelas quais controlamos a nossa performance mensal e anual no que diz respeito a leituras.

É todo um mundo de TBR’s (To Be Read) em prateleiras digitais da Goodreads, Kindle, Kobo Books, Play Livros e por aí fora. Quem já não passou as centenas de títulos guardados para ler mais tarde, que atire a primeira pedra! Entre os clássicos; as novidades; os da moda; os escritos pelos amigos e todos os outros livros que se cruzam no nosso caminho que escolhemos pela capa ou pelo prefácio; porque nos sugeriram; porque ouvimos dizer algures que era leitura obrigatória de verão ou de regresso às aulas e todos os que estão nas prateleiras físicas das Bibliotecas Públicas que, entretanto, voltámos a frequentar.

Se é fácil? Não, não é. E como vos disse no início deste texto chega até a ser perigoso. Mas perigoso como perguntam vocês! Ora porque cria no leitor que arruma livros consecutivamente (nas prateleiras tanto nas digitais como nas físicas lá de casa) uma espécie de ansiedade literária.

Rodeados de livros por todos os lados começamos a fazer contas ao que temos para ler ainda nesta vida, numa equação matemática de quanto tempo levamos a ler cada um dos livros que compõem a infinita lista. Preocupa-nos também a quais dar prioridade. Se vamos primeiro aos que nos emprestaram com o ultimato de os tratar como nossos ou se deveríamos ler primeiro os que trouxemos da biblioteca e temos de devolver na data correcta.

Ou até mesmo se damos prioridade às metas de leitura de dez ou vinte páginas por dia e se lemos mais do que um livro por dia em diferentes estilos e altura do dia.

Com tanta leitura precisamos, além de registar e atingir as metas a que nos propusemos, divulgar essas leituras e contagiar outros leitores. É quase um mundo paralelo ao universo literário.  Fazendo perfis das redes sociais digitalmente atractivos e post’s de Lidos para, já agora, sermos considerados influencers dos livros e das leituras. E daí mais um perigo: ter mais ou menos likes do que o vizinho do lado e por isso ser mais ou menos reconhecida e seguida.

Por todas estas maleitas que podem abalar bastante o simples acto de ler, leiam só! Sem modernices. Peguem num livro e leiam e não se preocupem com os perigos que dai advêm. Vão correndo a vossa lista, tirando os lidos e acrescentando outros tantos. Um dia ela será infinita de qualquer modo e não há como lutar contra isso.

Consideremos que as TBR têm vida própria, aliás várias vidas em paralelo e que um dia haveremos de conseguir ler todos os livros do mundo que queremos ler quando a finitude das nossas linhas convergirem para um ponto de fuga.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico
Share this article
Shareable URL
Prev Post

Quiet Luxury e o poder das marcas

Next Post

Jovens e Velhos: Incompreendidos ou desatualizados?

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

Read next

A Rapariga Dinamarquesa

Neste filme Eddie Redmayne representa o corpo e alma de Lili Elbe, a primeira mulher transsexual da história.…

Os livros

As palavras dela não podiam ser mais simples. O que diziam é que o atirou para o interior de um labirinto e…