Ryan era um jovem, vivia triste sentido-se preso da saudade e de um espaço que se viu obrigado a cuidar. Vivia os dias iguais sem os contar. Até num desses dias iguais ouviu um estrondo que ecoou pelo bar assustando os poucos clientes que com ele assistia ao tempo a viajar. Quase de imediato Ryan atirou o pano de cozinha para o lado e correu adivinhando o que se passara. Ainda há segundos o velho Reggie despedira-se em preguiça, revoltado por ter de sair daquela que era a sua segunda casa e onde melhor se sentia. Uma casa que partilhava com muitos outros.
Ryan abeirou-se do cimo das escadas para ver Reggie a levantar-se, içando-se com as poucas forças que ainda exibia com orgulho. Felizmente era um gajo rijo e as maleitas mais não conseguiram do que moer-lhe um pouco a pele. Gaguejava insultos sobre o seu próprio infortúnio e riu-se de lado quando o rapaz lhe perguntou:
– Estás bem, Reggie?
– Claro que sim! Porra para isto, esta entrada está toda molhada.
Ryan desceu as escadas para a entrada do seu pequeno bar. Era um primeiro andar em frente a uma praia amena de pessoas, popular aqui ali, o suficiente para ter os seus clientes e sem o rebuliço das odes veraneantes dos locais da moda. Estranhou aquela água, aquela madeira molhada que fora uma armadilha ainda há pouco. Por vezes o vento trazia-lhe areia para a porta, a chuva não se via há algum tempo, o céu azul era uma abóbada constante. Mas alguém ali esteve, molhou o chão, não era urina, “Ufa!”, mas acabou por não subir ficando incógnito.
No dia seguinte Ryan cismou que aquela pessoa iria voltar. Tentou estar atento. Passou uma e depois duas horas sentado numa cadeira no cimo das escadas. Nada! O velho Reggie ria-se:
– A mim é que me ia lixando e tu é que ficas aí especado que nem um cão de guarda.
– Não posso deixar que me matem o meu melhor cliente. – Retorquiu o rapaz entre um sorriso entre o provocatório e o bom humor.
– Deixa lá isso e serve-me outro copo.
O dia passou devagar. Ryan já desistira da sua vigia e voltara para trás do balcão. No silêncio ouvido entre copos e a música de fundo que se libertava de um velho rádio, ouviram um som estranho vindo do fundo das escadas, um arfar animalesco, um pedido de ajuda. Curiosos foram ver o que era e olharam-se admirados. Um jovem leão marinho cumprimentava-os lá debaixo apoiando-se numa barbatana e acenando com a outra. Bom, talvez não tenha sido bem assim, se bem que ambos assim o contaram e o juraram. Do insólito da cena apimentaram um pouco mais para a servir aos outros. Todos o sabia e ninguém os levava a mal.
Ryan desceu as escadas devagar sem saber o que ia fazer. O leão marinho lutava mas não conseguia subir mais do que um par de escadas, escorregando depois e molhando as escadas. Quando quase o podia tocar, o animal fugiu arrastando-se com agilidade até ao oceano.
Mistério resolvido. Fotos tiradas. Histórias contadas. Logo o baptizaram. Patty foi o nome escolhido. Ryan não gostou. Mas acedeu numa lágrima de saudade. Patrick era o seu há pouco falecido pai que viveu anos a cuidar daquele bar. Assim foi homenageado quase por acaso pelos seus velhos clientes.
Patty foi aparecendo aqui e ali, sempre sem avisar, sempre sem conseguir vencer os degraus, sempre molhando o chão. A sua história circulou pelas redondezas e mais pessoas começaram a serrem clientes. Todos esperavam para ver Patty e até fazia apostas sobre o dia e hora da próxima visita. Mas já perto do final do verão deixou de aparecer, ele, o leão marinho, não as pessoas. Alguns meses depois, um letreiro onde se lia “Patty’s Bar” encima a porta. As cadeiras e mesas eram novas, as cores e os cheiros eram frescos, as paredes estavam decoradas com fotos e desenhos do leão marinho.
A vida de Ryan nunca mais voltou a ser a mesma. Agora servia dezenas de pessoas, sorria o dia todo, tirava fotos com turistas, enriquecia lentamente, não só na carteira como acima de tudo na alma. O jovem recordava o sonho estagnado do seu amado pai quando abriu aquele bar. Hoje esse sonho concretizou-se. Por isso Ryan jura que Patty é um pouco do seu pai.