Alerta: Produzir, Não Sentir

Também se deparam frequentemente com o Abominável Fantasma da produtividade e da pretensa genialidade?

Raio de mundo este onde temos de estar sempre a produzir, a produzir bem, a produzir muito, em todas as facetas da nossa vida.

Ironia de mundo este em que não só temos de ter sempre as “mangas arregaçadas” e as “mãos à obra”, temos também de ser geniais. É importante dizer as palavras certas, ter ideias “super” interessantes e transmiti-las de modo verdadeiramente impressionante.

Para o Mortal, que somos todos nós os que aqui andamos, não há dia de folga nem tempo de tréguas. Se nos encontramos naquele momento de silêncio que, geralmente, assinala o fim de uma batalha e antecede a próxima, estamos “estagnados” ou “perdidos”. Ou é isso que é concluído pois somos olhados com desconfiança pelos outros e por nós próprios e rapidamente nos consideramos “menos”, ou pior que isso, “menos que”.

Também não nos podemos permitir passar um único dia com o “cérebro de molho” e assumir com beleza que, só por hoje, o nosso pensamento pode abster-se de brilhar ou atingir um qualquer objetivo a que parecemos estar sempre submetidos.

Nesta sociedade da produtividade a qualquer custo, do hedonismo, da utopia de que a felicidade se alcança correndo os caminhos da alta performance seja lá do que for, não há espaço para reduzir a velocidade, contemplar o que está à nossa volta, procurar o silêncio.

Reavivar a memória que temos dos traços faciais daqueles que amamos e, tantas vezes, os nossos próprios, ao espelho, parece um luxo, assim como é simplesmente não fazer nada durante um bocadinho

Falta-nos o saber requerido pela Vida. Imagino que desde os primórdios dos tempos, de que a busca constante nos faz esquecer de quem somos, independentemente de tudo isso. Esquecemos o conhecimento de que esse é o trilho que nos leva sem paragens “em todas as estações e apeadeiros”, até ao deserto da falta de pertença e da inadequação.

Também já passaram uma temporada nesse deserto? Fizeram aquela excursão em que tudo o que se podia avistar era trabalho e mais trabalho, comparação social negativa, solidão, ansiedade?

Também já se alimentaram daquele mantra, “se paro, morro” com que justificamos a nossa dificuldade em estabelecer os nossos limites e, por vezes, as nossas prioridades?

Foi lá que se resguardaram da pandemia tecnológica? Do confinamento de contacto social? Nesse deserto também nos resguardámos de olhar diretamente para as caras das pessoas que conhecemos e gostamos, e até das que não gostamos, mas desafiam as nossas competências sociais e emocionais. Também nos privámos de dar atenção à nossa própria vida… já que ela é mais do que produzir, seja lá o que for.

Este ritmo de produção e rendimento só nos permite viver tudo “para fora”, produzir “para fora” (ou para dentro das redes sociais) e remetendo-nos para um lugar onde nos sentimos desenraizados de tudo e vivemos tudo sozinhos. Em breve, iremos sentir-nos inadequados e sem amor-próprio porque descobrimos que afinal esta produção não nos realiza, ela não vai ao encontro do que necessitamos. Pelo menos, não totalmente.

Por isso, e por hoje, vamos parar a “produção” e fazer um inventário do nosso estado interior. Vamos assumir que não precisamos de ter a ideia melhor, escrever o melhor artigo, concluir o melhor trabalho. Às vezes, brilhamos, outras vezes brilhamos rodeados de luz, outras ainda, podemos abandonar a urgência de brilhar, a pressa de fazer mais e melhor para depois e, simplesmente, ser.

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