O Film Noir nasceu com a idade de ouro do Cinema, ajudando a sedimentá-la. Talvez tenha agarrado elementos do Expressionismo alemão, como a utilização do preto e branco ou da (ausência de) luz, postos ao serviço de histórias mais trabalhadas, numa era em que o som era uma realidade que tinha vindo para ficar.
Torna-se assim difícil desalojar a expressão “Filme Negro” das décadas de quarenta e cinquenta, quando este género tão popular e prolífico floresceu. Passados obscuros, mulheres fatais, submundos mais ou menos sórdidos, marginais, becos, clubes nocturnos, crimes, esquemas e corrupção, detectives cínicos, homicídios, traições, vinganças… ingredientes que, não sendo qualquer um deles extraordinário ou original, marcaram uma época num movimento, talvez o mais icónico da sétima arte.
Serve esta introdução para enaltecer a coragem de Roman Polanski em regressar ao género, dezasseis anos depois do fim do Noir (muitos dizem ter sido A Sede do Mal, de 1958, o último filme negro). O realizador polaco arrisca uma história com densidade psicológica e, tal como em parte das obras do género, onde as coisas não são o que parecem, e traz Jack Nicholson para o papel de Jake Gittes, um detective de Los Angeles que é contratado por Evelyn Mulwray para investigar o possível adultério do seu marido. No enredo cabe também uma trama em torno do fornecimento de água para a cidade dos anjos, e muito mais, que não é possível desenvolver sem ser spoiler.
Polanski é um realizador genial e Jack Nicholson, Faye Dunaway ou John Huston são exímios na composição de personagens com enorme profundidade, mas para mim (e para muitos), é no argumento de Robert Towne (o único óscar do filme) que reside o segredo de esta obra ter sido, no final, tão bem conseguida. É um enredo tão intrincado, meticuloso, misterioso, e ao mesmo tempo tão grandioso ou até épico, que se torna numa peça rara.
Vi pela primeira vez o filme antes dos dezoito, quando o fui buscar ao clube de vídeo junto à estação de São Pedro. A fita estava danificada, mas deu para gostar sem ter compreendido tudo. Voltei atrás algumas vezes sem ficar com a certeza do que vira. Anos mais tarde, comprei o DVD numa promoção e aí sim, o brilho desta obra inundou a sala e a minha paixão. Sabe bem ver cinema deste, onde as diferentes camadas com que qualificamos uma obra se sobrepõem sem que se escondam umas nas outras: Chinatown é um filme de acção, de autor, de sucesso, de tributo – a um género e ao cinema –, de bilheteira, de estrelas, e tanto mais, e todos estes atributos funcionam em conjunto!
Há outros exemplos de viagens bem sucedidas ao Negro (como L.A. Confidential, de Curtis Hanson em 1997, por exemplo), mas nenhum atingiu o estatuto de Chinatown.
“Most People never have to face the fact that at the right time and at the right place, they are capable of anything.”
– Noah Cross
PS: É precisa muita confiança para colocar Jack Nicholson, a estrela do filme, com um penso no nariz durante uma parte considerável da trama!