Enquanto, por cá, já se sente o aroma a campanha eleitoral no ar, aqui ao nosso lado, embora também pudesse ser bem longe, o mundo continua a trazer-nos uma realidade dura, à qual o ser humano não pode continuar a fechar os olhos.
Nos últimos meses, mais refugiados tentaram a sua sorte para se libertarem de vidas que estão para lá da nossa compreensão do que é difícil. Muitos conseguiram cá chegar e, muitos deles clandestinamente, continuam as suas vidas em busca de algo melhor. Contudo, muitos outros, como nos últimos dias, perderam as suas vidas, naufragando no Mar Mediterrâneo.
Um pouco mais longe, o Estado Islâmico continua a matar, torturar, violar e raptar inúmeras pessoas, enquanto destrói património histórico e cultural da nossa passagem (em muitos casos, bem mais humana) aqui pela Terra.
Nós, por cá, prendemo-nos aos faits divers do nosso dia-a-dia, baseando-nos na mesma premissa de crescimento que já deu provas de falhar constantemente. Contudo, olhando mais profundamente, compreendemos que a realidade daqui não pede algo assim tão diferente do que o que a realidade “de lá” nos está a pedir.
Perante o cenário dantesco que vivemos, os líderes, que de líderes pouco têm, convocam reuniões de “emergência” para dali a 3 ou 4 dias, remetem-se ao silêncio e pouco ou nada fazem. Tal como lá, aqui não se compreende que já não vivemos num mundo de debate e de ideais dissociados, exigindo às populações que, democraticamente, escolham um em detrimento de outro. O mundo mudou, mas nós continuamos a viver sob os mesmos pressupostos.
O mundo em que hoje vivemos tem de ser, obrigatoriamente, um mundo de consensos, um mundo de visão humana. Não podemos continuar a pensar a 4 ou 10 anos, temos de pensar no que hoje temos de fazer para que amanhã possamos ser melhores. Não podemos continuar a preocupar-nos com a subida constante da taxa de crescimento, mas sim em compreender se somos uma sociedade saudável e feliz que, dessa forma, então sim, consegue obter o que necessita e partilhar aquilo que faz bem. Quando nos fechamos nas premissas do crescimento, da competição e da comparação, criamos, dentro de nós e à nossa volta, um fosso, fosso esse que apenas cria destruição.
Cá, como à nossa volta, o que nos é pedido é que todos trabalhemos em prol do mesmo, deixando os ideais para o debate e para o desenvolvimento intelectual e filosófico que, efectivamente, nos vai orientar. Quando deixamos que os nossos ideais nos dominem cegamente, deixamos de ouvir o que realmente nos está a ser pedido, deixamos de dar o exemplo, tornamo-nos escravos da soberba, fechamo-nos em conchas e passamos a funcionar pela acusação e pelo julgamento. Parece feio e é feio, mas basta olhar para os comentários nas Redes Sociais e na Internet e, rapidamente, compreenderemos cada palavra que aqui escrevi.
Um último tópico de reflexão, que pode parecer vindo do nada, mas que tem tudo a ver com o que atrás escrevi. Ainda vivemos presos às culpas do passado, às vivências de sofrimento que tivemos de passar. Na Europa, vive-se o estigma das Guerras Mundiais, em Portugal, o da Ditadura de Salazar, no Brasil, o da Ditadura Militar, entre tantos outros exemplos que poderíamos dar. O problema é que, ao vivermos sob a égide desse estigma, vivemos a culpa intrínseca de termos, enquanto sociedade, caminhado para esse lado mais negro. Podemos dizer que não, que fomos vítimas, mas, na realidade, todos construímos esse mesmo caminho. Às gerações mais novas, cabe olhar o futuro com novos olhos, largando-se dos velhos paradigmas que ainda nos são carregados sobre os ombros, pensando por si mesmos e compreendendo o que é, realmente, importante. Por isso, defendo o olhar de uma das personalidades que mais lúcida me parece nos dias de hoje, António Barreto, membro da Assembleia Constituinte, que disse há poucos dias querer ter uma Constituição positiva e afirmativa, com a qual as gerações actuais se revejam. Eu acrescento, gostaria de ter, não uma Constituição de interesses, mas sim uma Constituição escrita por e formadora de uma nação humana.