Sempre ON – a nova era do trabalho digital

Ao longo dos últimos anos, a tecnologia revolucionou significativamente a forma como trabalhamos e nos comunicamos. A era digital trouxe consigo uma vasta gama de dispositivos e aplicações que nos mantêm ligados a todo o momento, oferecendo a possibilidade de, em apenas alguns segundos, compartilhar com os nossos amigos aquele meme mesmo engraçado, e de ler os emails do escritório como ritual antes do sono nocturno.

Com a proliferação dos smartphones, laptops, tablets e outras tecnologias móveis, os trabalhadores têm acesso constante aos seus emails profissionais, aplicações de mensagens instantâneas e plataformas de trabalho colaborativo. Embora isso permita uma grande flexibilidade, e a maravilhosa possibilidade de trabalhar remotamente, também pode criar nas chefias expectativas de que os trabalhadores estarão disponíveis fora do horário de expediente tradicional. Isto para as empresas e instituições que ultrapassam o preconceito de “se não estás no escritório, estás na boa vida”, e vão além do regime presencial.

Foi a pandemia que contribuiu para um progresso nunca antes visto no que concerne à aplicação de soluções facilitadoras do trabalho à distância. De repente tudo passou a ser remote, e, além dos velhinhos grupos no Whatsapp, criaram-se grupos no Slack, as meetings passaram a ser via Zoom, Teams ou Meet. Montaram-se as desks na sala lá de casa e siga teletrabalhar. Mesmo em trabalho presencial, deixámos de fazer quilómetros para participar em reuniões, podendo ouvir coisas completamente inúteis no conforto do nosso gabinete.

Embora esta mudança de panorama tenha trazido enormes benefícios em termos de eficiência e produtividade, principalmente o facto de não passarmos horas nos IC19 desta vida, ou nos comboios que não vão sendo suprimidos, também veio com um preço: sobre os trabalhadores passou a recair uma certa obrigação tácita de estarem sempre ligados e disponíveis para o trabalho, à distância de um telefonema a horas inconvenientes.

Uma das principais consequências dessa ligação constante é a diluição da fronteira tão necessária entre o trabalho e a vida pessoal. Com emails e mensagens a chegar a qualquer hora do dia e da noite, os trabalhadores sentem-se pressionados a responder imediatamente, mesmo estando a usufruir de momentos de lazer em pleno direito, ou a passear no centro comercial durante o horário de trabalho. Essa sensação de estar sempre “de prontidão” aumenta significativamente os níveis de stress e ansiedade, um caminho rápido para o burnout.

Outra questão relevante é o efeito destas práticas sobre as relações pessoais. A disponibilidade constante para o trabalho pode criar conflitos com familiares e amigos, principalmente se atrapalha os jantares de sexta e os almoços de domingo.

De tantos que praticam o quiet quitting, outros tantos, e com outras aspirações, seguem pelo caminho da omnipresença digital, compelidos a demonstrar uma produtividade constante, independentemente de seu estado de saúde física ou emocional. Mesmo quando estão doentes ou precisam de uma pausa, eles podem se sentir obrigados a permanecer online e disponíveis, temendo ser percebidos como negligentes ou menos comprometidos. Afinal de contas estão em casa, até de cama podem trabalhar. A oitava maravilha para os workaholic e para os bajuladores.

Com o objectivo de promover o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional e contribuir para o bem-estar dos seus colaboradores, algumas empresas mais conscientes têm adoptado políticas de “desconexão”. Vários países, incluindo Portugal, legislaram sobre o direito dos trabalhadores a desligar-se digitalmente fora do horário de trabalho, reconhecendo a importância de proteger a sua saúde e bem-estar. É também essencial uma conscientização dos próprios trabalhadores sobre a importância de estabelecer limites claros entre trabalho e vida pessoal. Isso inclui aprender a desligar o telefone ou notificações de email após o expediente, definir horários de trabalho em casa e comunicar de forma transparente e assertiva as suas necessidades de descanso, o que provavelmente não é assim tão fácil na prática.

A par dos benefícios que a evolução tecnológica e a sua disseminação e aplicação trouxeram para o mundo laboral, surgiram também pontos negativos que urge melhorar. É fundamental que se encontre um equilíbrio adequado da medida em que a tecnologia contribui positivamente para aumentar a produtividade, sem descurar o bem-estar dos colaboradores, evitando esta nova forma de escravidão do século XXI, mas mantendo a incrível possibilidade de trabalhar de calças de pijama.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico.
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