Do Efêmero ao Eterno

Saramago, o idílico herói das palavras portuguesas legou-nos a motivação por detrás do ato de escrever, “Escrevemos porque não queremos morrer. É esta a razão profunda do ato de escrever”. O ato de escrever, como o chama, pegar num papel e sentir o peso da caneta, é uma complexa coreografia, que se assemelha a uma dança onde as palavras não são meras aprendizes, mas verdadeiras mestras.
Se escrever fosse não morrer, a escrita assumiria o significado de uma genuína confrontação com a mortalidade. As palavras tomariam o lugar que acompanha cada traço de tinta, cada elo das letras. Podemos pensar nela como uma batalha contra o esquecimento, um ato de rebeldia face à inevitabilidade da existência humana. Na escrita, encontramos uma forma de transcendência, prolongando a existência para além dos limites impostos pelo tempo e pelo espaço. Cada palavra escrita representa o salvaguardar da memória coletiva e individual, de forma a assegurar a passagem de experiência e saberes para que não se dissipem com o tempo. A escrita assume, assim, um papel fundamental na transmissão de conhecimentos às gerações futuras, permitindo a perpetuação do legado humano
Na predominância crescente de ecrãs brilhantes e teclados rígidos, deparamo-nos com a efemeridade que permeia em grande parte os nossos dias. É fácil de entender porque é que a arte da escrita manual tem sido relegada ao esquecimento, obscurecida pela comodidade e rapidez inerentes à era digital. No entanto, a sua beleza ainda reside na forma como permanece de forma incomparável, em contraste com a transitoriedade do mundo digital. A escrita manual permite-nos deixar uma parte da nossa essência na página. Cada traço revela o nosso ritmo, a nossa pressão e as nossas emoções, conferindo-lhe um caráter único e revelador.
A beleza de escrever está na sua capacidade de criar um mundo novo, repleto de cores, emoções e possibilidades, que existem apenas enquanto as permitirmos existir, em cada um de nós. A afirmação de Saramago ressoa o eco de uma busca incansável pela perpetuação da essência humana, uma ânsia de transcender o efémero e habitar no imortal, naquilo que fica para todos. Portanto, nessa complexa coreografia de tinta e papel, encontramos a essência da existência humana. Escrever é procurar infinitamente a eternidade nas letras. Que possamos resgatar a beleza perdida da escrita à mão, valorizando-a como uma forma de arte que transcende o efémero e o impessoal do mundo digital. Que possamos redescobrir a intimidade e a conexão que existe de forma única no papel e caneta.
Escrever à mão desempenha por isso uma função crucial na transmissão de conhecimentos, na preservação da memória coletiva e na expressão da individualidade. É um ato de resistência diante da efemeridade digital, que não pode ser esquecido.
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