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[Junho] Andando na Linha com Michael Jackson

O concerto de 1968 em Folsom (uma prisão de Alta Segurança) marca o início de Walk the Line. Um ensurdecedor público composto por criminosos aguarda pela entrada do músico. Joaquin Phoenix, no papel de Johnny Cash, surge nos bastidores do evento, vestido de preto e de guitarra às costas. Assim, começa a história de um rapazinho que tem uma dura vida: uma infância marcada por uma relação complicada com o pai, a morte trágica do irmão, o estrelado, a negligência da família, um problema com o álcool e as drogas e a remição às mãos de uma mulher que o amava.

God said not to touch the appleHe didn’t say have a nibbleHe didn’t say touch it every once in a whileHe said ‘Don’tTouchIt.’ Don’t think about touchin‘ itdon’t sing about touchin‘ itdon’t think about singing about touchin‘ itDon’t touch it!”

Waylon Malloy Payne (Jerry Lee Lewis)

Os primeiros anos passam rapidamente no ecrã. A formação da sua banda, em 1954, em Memphis, com o guitarrista Luther Perkins (Dan John Miller) e o baixista Marshall Grant (Larry Bagby) e o início da sua carreira, passada em tournées de caravanas, são corridos em rápidos flashbacks. O que denota um claro objectivo por parte do realizador James Mangold, o de chegar ao momento em que Cash conhece June Cárter, uma jovem cantora que admirava há muito tempo. Esta ocorrência desenrola-se nos bastidores de um concerto, quando ela fica presa nas cordas da guitarra de Cash, marcando um dos momentos mais cómicos de todo o filme. Durante mais de uma década, Cash dedilhou os seus sentimentos por June, enquanto partilhavam o palco e as canções. Os seus duetos fervilhavam de emoção e revelavam o que na vida real não podiam assumir. Arrancando ritmados acordes da sua guitarra, com grande intensidade no seu olhar de aço e uma voz tão profunda e negra como a noite, Cash cantou empolgantes e corajosas canções de dor e sobrevivência, que falavam da vida real, como ninguém tinha ouvido antes. A este facto, tanto se deve a fama e o reconhecimento alcançado pelo músico, como também o aumento da sua dependência por comprimidos e álcool.

God gave us a great big appleseeand He said don’t touch itHe didn’t say touch it once in a whileHe didn’t say take a nibble when you’re hungryHe said don’t touch itDon’t think about touchin’itdon’t sing about touchin‘ itdon’t *thinkabout singin‘ about touchin‘ it!”

Waylon Payne (Jerry Lee Lewis)

Mais do que uma biografia, Walk the Line é uma história de amor. O argumento de Gil Dennis e James Mangold, baseado nas duas autobiografias de Cash, tenta fazer a viagem pelos “comos” e “porquês” de Cash, mas a raiz dessas respostas reside na parte inicial do filme, que é exactamente a que tem menos tempo. Somos levados a correr pelo seu conflito com o pai na infância, a sua ida para a força aérea, a compra da primeira guitarra na Alemanha. Tudo é acelerado, para se poder chegar ao momento dos êxitos musicais reconhecíveis e à história de amor que move o filme. Todavia, a grande mais-valia do filme são, sem dúvida, as interpretações (em voz real) de Joaquin Phoenix e Reese Witherspoon. Esta última conseguiu captar a essência da personalidade de June Carter, com o seu tom brincalhão e sensato, mas também com a distinção que fazia entre a sua vida pessoal e a profissional. No meio de músicos talentosos, mas viciados na adrenalina do espectáculo, ela fez questão de manter o equilíbrio. Algo que está bem espelhado numa cena em que Cash e companhia, encontrando-se embriagados e são acusados por June de não conseguirem andar na linha – “Walk the Line”, expressão, essa, que deu origem a uma das músicas mais conhecidas do cantor e o título a este filme.

I’m asking you to marry me. I love youJuneNow I know I said and done a lotta thingsthat I hurt youbut I promiseI’ll never do that again. I only want to take care of you. I will not leave you like that dutch boy with your finger in the dam.”

Joaquin Phoenix (Johnny Cash)

Os números musicais contam também a sua história, ilustrando a relação de amor e admiração mútua entre uma mulher, com um forte sentido moral, e um homem, com uma história de comportamento auto-destrutivo muito forte. Ele criou canções de tristeza, culpa e redenção, ela deu-lhe a razão que necessitava para não se deixar sucumbir pelos seus demónios. Os dois actores responderam a este desafio dando voz a temas célebres como “Jackson“, “Ring of Fire“, ou “Walk the Line“. Aprenderam a tocar instrumentos musicais e tiveram lições de canto, durante seis meses, de forma a conseguirem interpretar todos os temas do filme ao vivo. As actuações são, portanto, essenciais para contar a história de um homem que expressava nas músicas que escreveu a mágoa causada pelo desprezo com que o pai sempre o tratou, os problemas conjugais que tinha e o amor não assumido por June. Johnny Cash era o rebelde de negro que cantava sobre cocaína, a vida na prisão, sobre matar um homem para o ver morrer, ou magoar-se a si mesmo para saber se ainda conseguia sentir. No entanto, tudo o que fez, toda a sua vida, foi um esforço para chamar a atenção da única pessoa a quem ele queria provar o seu verdadeiro valor: o seu pai.

Now you’ll finally be able to sing your music without being a fake.”

   Robert Patrick (Ray Cash)

Em 1984, era possível vê-lo em todo o lado: na MTV e nos anúncios da Pepsi, nos Grammys e na Casa Branca, na Rolling Stone e na revista Time e por todo o território dos Estados Unidos da América, na sua tour. Em 2014, cinco anos após a sua morte, Michael Jackson continua a fazer o que sempre soube fazer de melhor – entreter a audiência. O espectáculo “Michael Jackson Immortal World Tour” do Cirque du Soleil esgotou em todas as cidades norte-americanas em que esteve, enquanto o episódio de tributo ao Rei do Pop de Glee fez a série subir nas audiências e atingir os números mais altos de vendas de músicas da terceira temporada inteira. O artista nunca escondeu as suas aspirações e sempre afirmou pretender ser o melhor entre os melhores. Quando o seu bem-sucedido álbum “Off the Wall” foi menosprezado nos Grammys de 1981, a derrota só o inspirou a querer ainda mais e a criar um projecto ainda melhor. Com esta vontade de provar o seu valor, lança “Thriller“, que se torna no álbum mais vendido na história da Música e conquista sete prémios nos Grammy Awards, derrubando as barreiras raciais na rádio e na televisão e redefinindo as possibilidades da música pop em todo o mundo.

They did it to try and belittle me, to try and to take away my prideBut I went through the whole system with themAnd at the end, I – I wanted the public to know that I was okayeven though I was hurting.

(Michael Jackson)

Apesar do sucesso alcançado, o cepticismo entre os críticos de música só aumentava. Para além de ridicularizarem a sua inteligência, a sua raça, a sua sexualidade, a sua aparência e o seu comportamento, os críticos usavam todo o seu sucesso e toda a sua ambição para demonstrarem que tinha falta de seriedade artística, descrevendo, em muitas ocasiões, o seu trabalho como sendo calculado e superficial. Historicamente falando, esta desconsideração pelos artistas e pelos estilos musicais negros, que eram acusados de produzirem sonoridades sem substância e profundidade, é tão antiga como a própria fundação dos EUA. Eram críticas muito comuns que os tradicionalistas fizeram ao Jazz nos anos 20 e 30, ao R&B nos anos 50 e 60, ao Funk e ao Disco nos anos 70 e ao Hip-Hop nos 80 e 90. Estes puristas culturais não só falharam no reconhecimento da legitimidade destes novos géneros musicais, mas também negligenciavam e menosprezavam as conquistas que os artistas afro-americanos conseguiam alcançar. Para os críticos, o Rei do Jazz não foi Louis Armstrong, foi Paul Whiteman, o Rei do Swing não foi Duke Ellington, mas sim Benny Goodman, e o Rei do Rock não foi Chuck Berry, ou Little Richard, foi Elvis Presley.

don’t understand why the press is so interested in speculating about my appearanceanywayWhat does my face have to do with my music or my dancing?

(Michael Jackson)

Aparentemente, a única forma que Michael Jackson tinha de aparecer nas notícias era se fosse apresentado como uma aberração da sociedade, uma curiosidade, ou um espectáculo andante. Até as críticas aos álbuns que se seguiram a “Thriller” foram arrasados, concentrando-se no lado sensacionalista da vida de Michael, ou sendo directamente hostis para com o cantor. Porém, no meio do circo mediático que se encontrava à sua volta, Michael Jackson conseguiu criar um dos mais impressionantes catálogos da história da música. Foram poucos os artistas que tentaram comunicar a vitalidade e a vulnerabilidade da condição humana – a alegria, a luta, o desespero e a transcendência, sendo que, no seu caso, deu corpo à música que cantava. A sonoridade ganhava vida no seu corpo, mediando-a com todo os meios que tinha à sua disposição, desde a sua voz, ao seu corpo, aos seus passos de dança, aos filmes, à tecnologia e às actuações que dava. O seu trabalho era multimeios, de uma forma que nunca antes se tinha visto. Para além disto, o Rei da Pop nunca foi de ficar preso a categorias e desafiou muitas expectativas dos amantes do Rock. Apesar das suas raízes musicais estarem claramente ligadas à tradição africo-americana, a grandeza da sua arte veio através da fusão de estilos, da capacidade de juntar géneros e meios dispares, para criar algo completamente novo.

The meaning of life is contained in every single expression of lifeIt is present in the infinity of forms and phenomena that exist in all of creation.

(Michael Jackson)

As letras das músicas de Michael Jackson podiam não ter a mesma substância que as de Bob  Dylan  tinham, mas conseguiam falar como ninguém sobre racismo, materialismo, fama, corrupção, meios de comunicação social, destruição ambiental, abuso e alienação. A sua grandeza vinha da sua capacidade de aumentar o poder das suas palavras vocal, visual, física e sonicamente, de forma a que o todo conseguisse ser maior do que a soma das suas partes. É preciso saber ouvir o virtuosismo que existe nos ritmos das suas músicas e a riqueza nas suas harmonias, as nuances das suas sincopias e as linhas de baixo que lhe eram tão associadas, as camadas de detalhes e a utilização de sons que são pouco comuns. Com músicas como  “Stranger  in Moscow”, “I  Can’t Help It”,  “Liberian  Girl”,  “Who  Is  It”  e “In  the  Back”  atingiu novas temáticas, novas texturas e novos estados de espíritos, numa criação (e sintetização) de estilos. Exemplo disso foi  “Dangerous”, em que o mais famoso dos Jackson 5 dança entre o Swing e o Clássico, o  Hip -Hop  e o Gospel, o R&B e o Rock. Michael Jackson era música sem fronteiras, nem barreiras e conseguia atingir vários cantos do mundo.

Let us dream of tomorrow where we can truly love from the souland know love as the ultimate truth at the heart of all creation.”

(Michael Jackson)

Foi só na sua morte em Junho de 2009 que começou a receber o respeito e a apreciação que merecia do público em geral e da crítica em particular. É um dos hábitos mais estranhos da humanidade, que só aprecia os seus génios, quando eles já não se encontram entre nós. Apesar do interesse renovado no artista, o maior interesse no lado sensacionalista e na falta de seriedade na análise do seu legado contínua bem vivo. Tal como Muhammad Ali, Michael Jackson era um competidor que nunca estava satisfeito com o que conquistava e que tinha o grande objectivo de vida de provar que um artista negro poderia fazer o mesmo (ou ainda mais) do que um artista branco. Ele pretendia derrubar todas as fronteiras, ganhar todos os reconhecimentos possíveis, bater todos os recordes existentes e atingir a imortalidade artística. Tal como Johnny Cash, o grande objectivo de toda a sua ambição não era o dinheiro, nem a fama, era alcançar o respeito dos seus pares. Michael Jackson proclamou exactamente isto no seu grande êxito de 1991, “Black or White”:

“I had to tell them I ain’t second to none.”

                                         (Michael Jackson)

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