Quiet Luxury e o poder das marcas

Nos últimos tempos, tem surgido uma expressão que, num mundo onde somos constantemente bombardeados com publicidade a marcas, se torna no mínimo curiosa: quiet luxury, por vezes também chamada silent luxury. Então, não é suposto ostentarmos as marcas e dizer ao mundo a que lojas fomos e o que comprámos?

O conceito de quiet luxury é precisamente o contrário. Surge associado às classes altas e caracteriza-se pela utilização de roupas, acessórios e outros produtos, que enquanto são claramente de boa qualidade e perfeitamente modelados a quem os usa, não têm à vista uma única etiqueta, logotipo ou nome de marca. Porém, este conceito vai além da invisibilidade da marca. Procura criar artigos duradouros e de linhas clássicas, que não estando sujeitas à moda de um determinado momento ou à popularidade momentânea da marca, possam ser usadas durante anos.

No entanto, e ironicamente, as pessoas de classe média e baixa são muito mais propensas a usar marcas visíveis no seu guarda-roupa. Isto começa na infância/adolescência, porque quem nunca ouviu falar das “calças de marca” ou que seria preciso usar este ou aquele logotipo para “ser aceite”? Segue até à idade adulta, principalmente agora que vivemos no tempo dos influencers e da roupa esgotar nas lojas devido a viralizar nas redes sociais. A primeira vez que me disseram numa loja que as calças em determinada cor tinham esgotado devido ao TikTok, demorei uns segundos a perceber. A acessibilidade ao comércio online também facilita a aquisição de todo o tipo de artigos, independentemente da distância. Portanto, não é incomum ver os adultos também com marcas, desde roupas, a relógios e até carros. É certo que existem muitos casos de contrafacção, mas mesmo nestes a necessidade de ostentação está lá. Mas de onde vem esta necessidade?

Comecemos pela música. Já dei por mim várias vezes a pensar, porque é que algumas músicas parecem um catálogo em forma musical. Recentemente temos a famosa música de Meghan Trainor “Made You Look” que até deu o mote para uma moda no TikTok e começa com “I could have my Gucci on, I could have my Louis Vuitton”. Passando a Sam Smith e o êxito “Unholy”, quando Kim Petras canta a sua parte, lista mais umas quantas marcas percebidas como “luxo” – Fendi, Balenciaga, Prada, MiuMiu. Mas a moda não é recente. Se formos a 2005 com a música “My Humps” de Black Eyed Peas ou até mais longe, a 1996, quando Bryan Adams lançou “The Only Thing That Looks Good On Me Is You”, temos mais exemplos de músicas que enumeram várias marcas, mas porque é que isto acontece?

A verdade é que a maior parte dos músicos é patrocinado por estas marcas. Chegados a eventos, como entregas de prémios e outras galas, é normal estes artistas terem à sua espera os chamados “goodie bags”, sacos cheios de roupa, acessórios, equipamentos electrónicos, perfumes e jóias, para posteriormente serem vistos com eles. E aqui está uma forma extremamente eficaz de publicidade. Estas marcas nunca têm os artistas como público-alvo, porque estes raramente pagam. O alvo somos nós, o público em geral. Ou a pessoa que gosta tanto deste artista que tem que comprar igual ao que ele tem.

Contudo, este fenómeno tem mais que se lhe diga. Normalmente associado à pobreza vem um complexo de inferioridade. Nunca ninguém gostou de dizer que é pobre. Por vezes, o acto de usar uma peça de roupa ou acessório de marca, pode trazer um muito necessário aumento à auto-estima. Enquanto usa aquela peça, a pessoa sente-se parte desse mundo que parece tão distante. Por outro lado, existe também a esperança de que estas marcas lhe abram novas portas. A pessoa pode ver nelas uma forma de ser aceite em determinado grupo ou até, que aumente as suas hipóteses de conseguir certo emprego. Como tal, quem compra produtos percebidos como “de luxo”, não está a adquirir só um produto. Está a aceder a um status, a uma forma de vida e um sentimento de pertença a um grupo social, o grupo que normalmente tem acesso a estas marcas. Curiosamente, estudos realizados nos EUA indicam que consumidores verdadeiramente ricos, consideram que a maioria das marcas percebidas como luxuosas, são na realidade sobrevalorizadas e um desperdício de dinheiro.

Embora na sua maioria estes hábitos de compra sejam inócuos, existem os casos em que se tornam um vício e tal como o jogo ou qualquer outro hábito nefasto, necessitam de uma intervenção, tendo em conta o risco de a pessoa de endividar além das suas possibilidades.

Para terminar, deixo um vídeo sobre este assunto que aborda estes comportamentos e os riscos inerentes. Embora adaptado à realidade e cultura americana, levanta várias questões pertinentes sobre este tipo de consumismo e como ele pode afectar a nossa saúde mental e financeira quando levado ao extremo.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico.
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