Tal como escreve Adolfo Mesquita Nunes devemos olhar para “o mundo como ele é” mas isso torna-se sevícia numa era onde se insiste em acelerar os ponteiros da vida, já de si, breves. É o tempo do número distópico e do espalha-“factos” catastrófico. Será que ainda vamos a tempo de salvar o tempo do jornalismo do fact-checking e da triangulação de perspectivas? O que é feito do tal cidadão que se deleitava, sentado na esplanada, pelas espessas reportagens? As real news não são motivo de partilha, pois como sabemos, será sempre mais atractivo mostrar a destruição de uma pirâmide que a sua construção.
O populismo nasce da falta de tempo da gente. Uma das primeiras sugestões que recebi para o meu podcast, Dedo no Ar, foi aquele conselho tão actual como pueril, disparado logo em quatro palavrinhas: “devia ser mais curto.”, pois deveria. Deveria se eu compreendesse que ninguém merecia gastar uma hora e tal concentrado numa conversa. O meu fraterno amigo não percebeu que a liberdade proposta é exactamente essa. Só valorizando o tempo conseguiremos usufruir dele. Não diria melhor que Mujica, “quando compramos algo não pagamos com dinheiro mas com o tempo de vida que gastámos para obter esse dinheiro”. Numa sociedade neoliberal defunta que sobrevive abraçada à tríade, produzir mais rápido, inovar com menos custo e melhorar diariamente, num contexto de precariedade crescente e de esquecimento da ecologia e do outro, parece-me essencial contrariá-la um dia de cada vez. Permitir-nos a dispensar horas sem a lógica mercantilista da utilidade. A ideia existencialista do ser humano como “poeta à solta” não deve ser abandonada opondo-se ao prazer efémero do consumo.
O populismo nasce da ansiedade da gente. É essencial percebermos se somos escravos da notificação, aquela que cria a tensão alimentada pela dopamina da atenção, sempre que surge algo nas redes sociais ou quando recebemos mais uma tonelada de emails por ler. Desliguemo-nos destes avisos e abracemos a calma que não nos é induzida. Na sociedade com dinheiro mas sem tempo, a infinita possibilidade de opções poderá confundir-nos. Com uma multiplicidade de temas que por tratarmos com a superficialidade útil se tornam fugazes. Hoje com tantas fontes, referências e estímulos devemos ser leais a uma cuidada selecção de assinaturas para nos conseguirmos manter informados e sãos, pois “a abundância garante a felicidade. Mas há um limite para lá do qual a abundância aniquila a qualidade de vida. É o paradoxo da escolha.”, como nos esclarece Rolf Dobelli.
O populismo nasce da desinformação da gente. A relevância da intermediação do quarto poder apenas se esgota se o nosso tempo for destruído pelas fake news. O crescimento do populismo, alicercado no medo, ignorância e preconceito que resulta da desinformação que transforma casos isolados e concretos em vilões imaginários, continuará se apenas tivermos tempo para os títulos que distorcem e escondem o progresso das últimas décadas. Porque a bola que rola é o mundo vejo a democracia vertiginosamente a ser chutada para canto como Steven Pinker defende, quando a extrema direita entra em campo e aí surge “uma verdadeira ameaça ao progresso de que temos beneficiado. É um movimento contra-iluminista. Vão contra as tendências que tornaram a nossa vida melhor.”
O populismo nasce da falta de liberdade da gente. Poder ouvir, ler, pensar e reflectir está, actualmente, ao alcance daqueles que não correm de um lado para o outro. A massa que assim sobrevive por necessidade ou falta de consciência do esplendor que é usufruir do tempo criado pelo Homem. O passado demonstra-nos que a democracia e a liberdade são ideias tão nobres quanto frágeis, que precisam de constante cuidado, escrutínio e, claro está, sem tempo para nos informarmos e percebermos o mundo que não está ao alcance da nossa visão individual, a sociedade estará sempre mais exposta aos milagreiros instantâneos como Jordan Peterson, às mensagens populistas de Trump ou à discussão inócua e fanatizada nas caixas de comentários. Precisamos da coragem nórdica para implementar medidas que reduzam as horas de trabalho, aumentando o tempo de qualidade subjectiva e reduzindo os burnouts. Vamos parar e ouvir aquela música. Vamos perceber que transformar meras notas musicais em sons harmoniosos pode demorar uma vida, assim como, a ponderação, discussão e assimilação das palavras produzidas pelo jornalismo, que expõem as verdades inconvenientes, precisam do tempo para os cidadãos as pensarem e poderem fazer progredir as sociedades.