O que é que caracteriza o Serviço Público de rádio e televisão? Na sua base, deve ser uma missão de fazer chegar informação e entretenimento a todos os cidadãos, de forma equilibrada. Tudo começou nos anos 20, com o aparecimento da BBC. Contudo, as fronteiras entre o serviço público e a oferta privada são cada vez mais ténues.
Em 1922, o Parlamento Britânico encomendou um estudo para avaliar o futuro da rádio no país. Concluiu-se, então, que a rádio deveria ter o máximo de liberdade de atuação. Sem estar nas mãos dos privados nem do governo, deveria, contudo, reger-se por algumas orientações sociais: independência financeira, imparcialidade política e contributo para o interesse público. Ora, essas diretrizes ficaram estabelecidas em dois documentos: o Royal Charter (de carácter permanente) e o License and Agreement (que é revisto periodicamente). Surgia, assim, a ideia de Serviço Público associada aos meios de comunicação.
Depois da II Guerra Mundial, o modelo da BBC foi copiado no centro e norte da Europa. Mas, na Europa Mediterrânica, o Estado continuou a exercer alguma influência sobre os media.
Chegados aos anos 80, fortes alterações no paradigma político-financeiro provocaram mudanças no sistema mediático. Na onda do neoliberalismo, desenvolveu-se o cabo e o satélite. Multiplicaram-se as televisões privadas e os publicitários pressionaram os Estados para que abrissem ainda mais canais. A ideia latente era a de que o futuro dos lucros estava na comunicação. Todavia, toda esta euforia teve efeitos colaterais: as audiências fragmentaram-se e os canais entraram em crise.
Com uma estratégia renovada, os canais de Serviço Público começaram a apostar em programas populares que deveriam passar em horário nobre, ao mesmo tempo que compravam programas de ficção. Era preciso competir pelas estrelas da televisão. Falamos, pois, de um cenário não muito diferente daquele que vivemos hoje em dia.
Na generalidade, os medias públicos e os privados oferecem o mesmo tipo de conteúdos: há uns anos, podíamos assistir, ao sábado à noite, ao concurso “Dança Comigo” na RTP; há uns tempos, a TVI apostou no mesmo formato, mas com o título “Dança com as estrelas”. Fará, então, sentido que continuemos a pagar a taxa de audiovisual para termos Serviço Público de rádio e televisão? Ou melhor, será que ainda podemos dizer que Portugal tem Serviço Público de rádio e televisão?
No último ano, a RTP transmitiu a série dinamarquesa “Borgen” e a ficção nacional “Aqui tão longe”. A RTP2 continua a oferecer os espaços “Zig Zag” e “Desalinhado”, para crianças e jovens. A Antena 3 aposta nas “alternativas pop” e a Antena 2 faz chegar conteúdos de alta-cultura aos ouvintes.
Portanto, o Serviço Público português tem vindo a fazer esforços no sentido de cumprir a trilogia “educar, entreter e informar”. Talvez o pagamento dos três euros e dois cêntimos mensais da taxa do audiovisual se justifiquem assim. Contudo, a questão não será tanto se o Serviço Público está a cumprir o seu propósito, mas sim se os cidadãos estão dispostos a continuar a pagar uma taxa por conteúdos que, muitas vezes, não lhes interessam ou para os quais nem têm tempo. Além disso, a RTP acumula as receitas da taxa do audiovisual com as receitas de publicidade.
(E será que a SIC também não presta Serviço Público, quando faz emissões especiais sobre o que é a Operação Marquês, por exemplo? Não pagamos por este tipo de conteúdos, mas temo-los…)
Em suma, os canais públicos estão em clara competição com os privados e atravessamos um momento de incerteza quanto ao futuro do Serviço Público. Este tem que se auto-legitimar e, para tal, criaram-se espaços como a “Voz do Cidadão”. Assim, vai-se tentando mostrar que os cidadãos têm algo a dizer sobre o que pagam, que escrutinam a prestação de um serviço que deve ser para todos eles.