A Nação da Posse

Perdoem-me a sinceridade, mas somos um povo, um país, viciado na posse. A cada dia que passa, observando a vida que nos rodeia e os factos que a política e a economia nos apresenta, mais certezas tenho de uma espécie de pânico que nos invade de cada vez que se fala de perder a posse de algo, seja nosso, seja do Estado.

Quando começou a suposta crise, muitos foram obrigados a largar as casas que compraram, hipotecando-se por causa de uma casa, durante uma vida inteira, pagando um imóvel em 2 ou 3 vezes o seu valor, por causa de juros bancários. Quando o rendimento baixou, essa despesa tornou-se incomportável e veio revelar uma coisa simples, que a posse, a propriedade, não era, na verdade, sustentável. No entanto, pelos vistos, continuamos a não ter aprendido a lição.

O estigma da posse é uma marca que gerações e gerações de frustrações nacionais deixaram, principalmente desde o esbanjar da riqueza obtida com a exploração do império, mas com especial fortalecimento, após a crise dos anos 20 e 30 do século XX. A mentalidade da propriedade, da posse e do controlo tornou-se típica de um povo que acha que é tendo uma casa e acumulando riqueza, ainda que para isso tenha de deixar de fazer uma série de coisas que até gostaria e apenas trabalhar de sol a sol, irá estar bem e sentir-se feliz. O tempo passa, mas a felicidade não chega, apenas o cansaço. O tempo passa, as crises chegam, e o esforço tem de ser ainda maior, pois não podemos perder aquela coisa por que tanto fizemos para ter.

Quando vejo estas polémicas à volta das privatizações, vejo este velho estigma e este velho vício da posse a manifestar-se duma forma muito mais abrangente. Insurgimo-nos contra a venda das empresas públicas, com medo de que o Estado fique sem nada, alimentando uma máquina obesa e imóvel, não dando espaço para que essas mesmas empresas possam crescer, por si só e, dessa forma, trazerem verdadeiramente rendimento para o bem comum. Com o vício da posse, assim como quando mantemos as casas, mesmo sem conseguir ter rendimento para tudo, preferimos continuar a tirar de nós, do nosso bem-estar, da nossa estabilidade, para poder dizer que é nosso, é do Estado, é dos portugueses.

Continuamos, enquanto povo, a preferir viver na posse e no materialismo, sem nos apercebermos da prisão que criamos para nós mesmos, não permitindo que os recursos possam fluir de forma a poderem gerar mais recursos. Mais uma vez, o grande problema não é a falta de dinheiro, mas sim a falta de visão, de valores, a mentalidade fechada que ainda nos rege. Enquanto Nação, somos uma identidade magoada, que se alimenta de nostalgia, com muitos rancores guardados, com muito medo de viver o futuro. Apenas quando nos libertarmos desta necessidade de posse, que nos dá uma aparente e ilusória estabilidade, poderemos, verdadeiramente, voltar a ser os visionários que criaram, no início, este país chamado Portugal.

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