Confesso que não fazia ideia da existência do Nuno. Seria mais um homem do nosso país a fazer pela vida. Contudo ficaria uma pessoa muito mais pobre se não o tivesse conhecido.
Foi-me apresentado por alguém que anda de olho bem aberto nestas lides de saber o que há de novo para aprender. Agradeço-lhe, desde já. O Nuno podia ser um homem vulgar, mas não o é. Felizmente.
A vida pode ser um milagre, mas não temos o menor controle sobre a mesma. Isto aplica-se aos amores, desamores, paixões e dores. Estas sobretudo por nos arrancarem da calma de um certo rumo que havíamos trilhado.
Nuno, o homem de realejo. Esse era o senhor que percorria as terras com a sua máquina de soltar a música e a alegria. É exactamente o que ele faz, mas com um outro material e muito pernicioso, livros.
Aqui está feita a apresentação do saltimbanco cultural, o jogral dos dias de hoje. O Nuno é um bibliotecário ambulante. Conduz uma carrinha e, além dos livros que empresta, leva vida aos recantos perdidos nas aldeias dos que, apesar de tudo, persistem em ficar.
A sua chegada é motivo de muita satisfação. É a luz que lhes entra pela casa e o Senhor Nuno tem capa de anjo que lhes dá a protecção e a água vital. Aguardado com muita expectativa, é um bálsamo nestas terras da Beira Baixa.
Na verdade, o Nuno tem uma máquina que é a nova varinha de condão, a que serve para fazer os pagamentos e deixar muitos velhotes, que resistem estoicamente ali, descansados. É um terminal multibanco e faz magia.
Sabem uma coisa? Sinto uma certa inveja do Nuno, o simpático bardo que leva novas e as trovas a algures e nenhures. Livros e revistas e a vida está certa. Distribui infância e saudade em terras onde o tempo se perdeu.
Porém, tudo tem um lado que mói e rói a alma. O Nuno tem mais vida além da profissional. Marido e pai, tem nos seus a continuidade do seu ser. Um filho menino e uma parceira companheira.
Um dia tudo mudou. O telefone tocou com a notícia que não se quer receber. Um acidente alterou tudo. A vida da sua metade ficou numa curva da estrada e o menino precisou de um amor especial para recuperar.
O Nuno passou a pai e mãe e o realejo teve de abrandar. O Tomás precisava de acordar para a vida que lhe acenava com rudeza. Foram dias de desespero e de uma enorme dor. Um pai é um ser com fraquezas e chorar pode aliviar.
Não saiu da sua beira e o tempo de ninho, de colo de pai e de um imenso amor, deu frutos. O menino recuperava com vontade. Há anjos que estão espalhados nas muitas instituições. Os seus pós sábios deram resultado.
Como se pode levantar a cabeça, após uma tão dramática perda? Faz-se das tripas coração e usa-se o sorriso para seguir. O mundo pessoal para, mas o outro segue. A cara que se mostra é uma, a que precisa de ser arejada, mas a real é bem diferente.
Contudo e contra tudo o que possa quebrar, o Nuno não desiste. Insiste e persiste e o seu Tomás sabe que ele estará sempre de asa bem aberta para o amparar nas quedas. É forte. Sai ao pai.
Tudo leva o seu tempo e esse realejo teria de voltar a dar a sua gratificante luz aos sedentos de conhecimento. A estrada chama. É uma terapia ser recebido em braços por quem tanto ama sem nada pedir de volta. Gente simples e humilde, como o viver.
A sua história tornou-se pública e o carinho que lhe foi oferecido, em forma de solidariedade pura, deu frutos muito doces. Não está só. Tem quem se preocupe consigo. Recebe mimos e o sorriso vai ficando mais solto.
A sua página no Facebook é deliciosa. Partilha uns pedaços de cultura avulsa, a poesia dos melhores mestres e umas fotografias de um mundo que ainda existe nas aldeias, retalhos de campo que não se vendeu com sonhos e esperanças de quem envelhece.
O Nuno a todos chega. Como um canteiro de horta cheia de palavras, o seu realejo, legado das antigas carrinhas da Gulbenkian, vai de terra em terra, distribuindo novelas, romances, poesia, contos e muita vontade.
E vejam só a minha sorte! Num sábado sem o esperar, tive o enorme prazer de abraçar este maestro das letras que, não obstante as nuvens negras, ainda tem imenso para dar, um filho para criar e muitas alegrias para celebrar.