O Banquete

Em O Banquete, Platão relata os principais acontecimentos que tiveram lugar num banquete, em casa de Agaton, em que participara Sócrates e alguns dos seus amigos. Depois de terem bebido em demasia, é proposta uma pausa para discutir um tema. Erixímaco, um médico ateniense da altura, sugere que se fale de amor. Os seus companheiros aceitam. Seguem-se então os discursos de alguns dos participantes do banquete, nomeadamente Fedro, Pausanias, o já referido Erixímaco, Aristófanes e, como não poderia deixar de ser, Sócrates. Desta forma, a obra assume a forma de diálogos, através dos quais são abordadas várias teorias relacionadas com a origem e a natureza do amor, diferentes categorias de amor e a importância deste na ordem do universo e, mais concretamente, na vida humana.

O Banquete é considerada a primeira grande obra sobre o amor na história da literatura ocidental. Platão consegue abordar o amor de várias ângulos, desde a sua perspetiva metafísica até à sua vertente moral, sendo por isso uma obra bastante completa. Além disso, o Banquete é um texto escrito de forma simples e apelativa. A sua estrutura em diálogos cativa quem lê pela fluidez da narrativa e por ir direto aos conceitos e ideias fundamentais.

Além de ser um obra de referência em filosofia, O Banquete influenciou em boa parte o imaginário europeu e, portanto, a literatura no seu sentido mais amplo. Um dos discursos proferidos, o de Aristófanes, terá introduzido na cultura europeia a ideia da alma gémea. Segundo Aristófanes, Zeus teria dividido os primeiros seres humanos (em que cada um se assemelharia a dois seres humanos unidos pelas costas e pela cabeça) ao meio, por estes terem desafiado os deuses. Desta feita, cada um desses seres primordiais de dois rostos, quatro braços e quatro pernas deu origem a dois outros seres, semelhantes àquilo que somos hoje (um rosto, duas pernas e dois braços. O principal objetivo de vida destes seria o de encontrar a sua outra parte e (re)unir-se a ela. Este teoria é abordado com especial beleza e encanto no filme “Hedwig – A Origem do Amor”, sendo este uma adaptação do musical da Broadway “Hedwig and the Angry Inch”.

http://https://www.youtube.com/watch?v=_zU3U7E1Odc

A teoria da alma-gémea (cara-metade ou da outra-metada-da-laranja) continua ainda presente na nossa cultura. A crença de que todos temos alguém que nos está pré-destinado pode transmitir-nos um certo conforto e alento, munindo-nos da esperança que, independentemente de todos os fracassos amorosos, a “pessoa certa” irá aparecer e completar-nos.

Nesta obra, ainda, e através do discurso atribuído a Pausânias, Platão apresenta-nos duas categorias diferentes de amor: o amor comum e o amor celestial. Esta distinção é relevante na medida em que explica em que consistiam as relações amorosas entre os homens da Grécia antiga. Pausânias defende que o amor comum é um tipo de amor inferior, vulgar e praticado essencialmente por pessoas de sexos opostos. Por outro lado, o amor celestial teria uma componente mais nobre e aconteceria entre dois homens, de idades diferentes, em que o mais velho seria responsável pela formação moral e intelectual do outro. Por esta razão, é inadequado falar de homossexualidade no contexto histórico-cultural da Grécia Antiga, uma vez que estas relações entre homens baseavam-se num compromisso social e moral, numa relação de amor comum à sabedoria e à virtude, não forçosamente numa relação romântica e sexual.

Próximo do fim, Sócrates toma a palavra. Este partilha com os seus companheiros os ensinamento que teria recebido de uma sacerdotisa – chamada Diotima – que, segundo ele, seria entendida nos mistérios do amor. Sócrates presenta-nos uma categorização mais complexa e detalhadas do amor, segundo a qual o amor varia ao longo de um espectro e que num extremo temos a componente mais física e num outro temos a sua dimensão mais espiritual, etérea, universal. Ainda parafraseando Diotima, Sócrates fala-nos da origem do deus do amor (Eros), da natureza e do propósito do amor.

Este último discurso é (talvez) o mais ricos da obra. Além de sintetizar todos os discursos anteriores, neste é estabelecida uma relação entre os conceitos de beleza, de corpo, de arte, de conhecimento e de imortalidade. Esta relação de conceitos não só era bastante pertinente no contexto da obra, como ainda o é hoje. Embora, em larga medida, o conceito de amor continue a ser um denso e complexo mistério na atualidade, intuímos que haja uma interação entre a beleza dos corpos, a beleza da mente, o receio da finitude e da incompletude, entre outros.

O Banquete torna-se uma obra especialmente fascinante por conseguir abordar um dos maiores mistérios da humanidade – o amor – de uma forma bastante simples, mas ainda assim poética e agradável. Embora não dê respostas definitivas acerco do que é o amor e de como devemos amor, este livro convida-nos a repensar o conceito de amor e a melhor intender vários dos seus aspetos, desde os mais terrenos aos mais espirituais e abstratos.

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