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Hoje protejo-te como sei

“Come o alho!” ordeno-te. “O alho faz bem a tudo”, explico-te, como sempre, tentando convencer-te a obedecer-me.

Rolas os olhos e, a modo de desafio, brincas com o alho, espetando o garfo, pondo-o para o lado, observando-o, sem nunca o comer.

Mas eu hoje não quero saber. Estou a preparar hamburgers para amanhã e aproveito para desfazer o alho entre a carne picada, para garantir que o comes sem te aperceberes. Hoje esta é a minha maneira de te proteger, a única que sei neste momento.

Esta tarde soube que uma grande amiga minha perdeu a filha, que estava em coma há dois meses, depois de ter sido atropelada. 18 anos. Uma menina. Uma criança. Como tu, com os teus 12 aninhos. Sabes que para as mães vocês serão sempre crianças.

Penso em mim, em ti, no que aconteceria se fosse comigo. Evito imediatamente o pensamento antes sequer de tomar uma forma mais visível, porque só a sombra deste pensamento me destrói. Mordo o lábio inferior, evitando chorar, e quando me cai uma lágrima, limpo os olhos e digo “maldita cebola!”, esperando que não repares que é alho o que estou a cortar. Protejo-te das minhas lágrimas como te tento proteger dos males do mundo com um dente de alho, a minha arma ridícula. Protejo-te das minhas lágrimas porque não quero que percas a inocência; ainda estás numa idade em que os pais são tudo, sabem tudo, não sentem nada. Robots omnipotentes, omniscientes Deuses, aos teus olhos. Não quero que descubras que a tua mãe é humana e chora e erra. Lembro-me de quando descobri que os meus pais eram só humanos, sofriam e choravam, e tinham vidas independentes, e tinham existido antes de mim, e eram como toda a gente. Humanos. Da tristeza infinita que senti, porque de repente eles já não estavam protegidos e as dores deles eram as minhas dores. Da insegurança que senti, porque nem eles podiam ser tudo, embora para mim fossem tudo.

E agora és tu tudo. O teu pai e tu são tudo. E eu quero continuar a ser para ti um tudo protector e omnisciente, para que consigas andar no mundo de forma confiante. O medo, para já, fica para mim. A felicidade quando olho para ti a dormir, o teu rosto que é meu e do teu pai, a tua respiração, os teus sonhos, o teu punho agarrado ao lençol, perfeito, o pé pequenino fora da cama porque está calor, e o medo quando penso no dia em que sairás pela minha porta e serás engolido pelo mundo. Eu ficarei cheia de orgulho e de pânico a olhar eternamente para a minha porta. Ficarei a ouvir o silêncio ensurdecedor da casa vazia. Sempre à tua espera, à espera que voltes e sejas ainda menino, mesmo sabendo que não podes voltar à idade que tens agora, à ignorância pueril e perfeita que tens agora. Mas vou continuar a desejar e a esperar.

Isso será um dia. Um dia. Não hoje. Hoje protejo-te como sei, com um pouco de alho na carne para manter as doenças longe, e com um sorriso perfeito nos lábios para manter a inocência no teu coração.

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