Entre a Utopia e o Paradoxo

Tenho tentado permanecer numa quase total ausência de notícias. Pelo menos das notícias diárias sobre as nossas minudências políticas, fruto de algumas mentes minguadas ou limitadas.

Esta abstinência forçada, que alguma tranquilidade me tem dado, tem um problema e um benefício. O problema de andar actualizado, mesmo que sobre assuntos de evidente menoridade, como as quezílias e picardias de mau gosto a que há anos se entregam os políticos que pagamos com os nossos impostos. O que sempre me deixa num estado de mal-estar relativo, ou incómodo, pela perda de oportunidade de mudança que nunca acontece, e pela perda de recursos financeiro e de tempo, pelo país. Tem, por outro lado, o benefício, esse menos evidente, de conseguir um distanciamento das mediocridades mundanas da classe política e do envolvimento em pequenezas que em nada contribuiriam para uma eventual capacidade de análise, com alguma possível imparcialidade.

E assim, pouco a pouco, vou chegando, com a assumpção do erro inerente, à conclusão da dualidade em que temos vivido. Dualidade mais do que bipolaridade (excepto se queremos usar o termo num contexto mais patológico). Uma dualidade vivida entre a Utopia e o Paradoxo.

Pela mão do PS e de forma que se tem acentuado, preocupantemente, vivemos épocas de utopia. Porém, uma utopia assumida como se de uma luta pragmática e sensata se tratasse, ou seja, não utópica, mas possível. No entanto, nunca conseguida.

Quando o PSD está no Governo, temos de viver o Paradoxo. E passo a explicar, um ponto de vista estritamente pessoal.

O PS diz acreditar, mas desconfio sempre se genuinamente acredita, ser possível estabelecer-se em Portugal um Estado Social desenvolvido e mesmo providencial, em saudável convivência com uma Economia pujante e desafogada em recursos financeiro suficientes para o suporte de novos projectos, que assegurem mais desenvolvimento.

O PS quer, assim, fazer-nos crer que é possível para um país com um nível de distribuição de riqueza, com um PIB indexado a PPC (paridade de poder de compra) inferior a uma Espanha em mais de cinco mil dólares anuais per capita (que por sua vez difere da França em cerca de quatro mil dólares anuais), manter medidas e estruturas tipicamente marxistas e um proteccionismo estatal do emprego, por exemplo, em paralelo com a apresentação do país interna e exteriormente como competitivo e atraente, para que o desenvolvimento aconteça. E vai, entretanto, esgotando recursos, numa sociedade que pretende cada vez mais anquilosada, mas recursos de que nem dispomos. Esta é a Utopia. E que nunca disto passou.

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Esta Utopia nunca deixou Portugal avançar e sempre nos fez regressar a um ciclo reincidente de mais resgates financeiros e forte dependência de decisões do exterior. Este actual PS ainda parece mais apostado na Utopia e mais sôfrego de calamidade.

O PSD, pelo seu lado, não tem tido outra possibilidade do que governar em Paradoxo. Se pretendeu algum dia fazer crescer um país, ainda que com algum equilíbrio entre Estado e Privado, entre desenvolvimento de uma sociedade pelo lado do empreendedorismo e da inovação, não apenas tecnológica, mas económica, nunca conseguiu, mais do que parcialmente. Se pretendeu reformar o país, nunca foi totalmente entendido, até porque sempre teve de fazer reparos e emendas nas medidas retrógradas e marxistas de um PS que vive numa época de há mais de sessenta anos. Se pretendia implementar uma dinâmica nova numa economia anémica, não lhe restou mais (excepto no tempo de Cavaco Silva, em que havia recursos do exterior a entrar em fluxos nunca mais vistos) do que assumir e exercer políticas estranguladoras de austeridade, que nenhum político gostará de aplicar.

Este é o Paradoxo. O de quem pretende defender e governar com outras políticas e tem de se resumir a um conjunto de medidas altamente impopulares e até conducentes a atrasos económicos, por via de constrangimentos financeiros e imposições de pacotes de medidas exteriores a Portugal.

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E entre uma Utopia demasiado perigosa e um Paradoxo indesejado, Portugal não consegue encontrar caminho de desenvolvimento consistente e constante.

E depois acontece termos de nos ver a depositar a esperança toda nas mãos de quem não pode muito fazer, sem correr o risco de provocar uma convulsão social, ou, bem mais grave, uma instabilidade económica. Ainda assim preferível a uma falsa paz social e uma mentirosa realidade económica. Assim, muitos de nós, pretendemos colocar nas mãos de um Presidente recentemente eleito boa parte da responsabilidade da salvação de um país de que desconfiamos já não a ter mais.

Em situações normais, de sereno desenvolvimento, alguma utopia seria saudável, para permitir sonhar e caminhar. E algum Paradoxo, para nos fazer mover montanhas de ideias fossilizadas há tempo demais. Contudo, em situação de emergência económica e social, num país massacrado por séculos de ignorância a atraso, estes dois aparentes extremos só têm servido o insucesso.

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