A Apologia da Felicidade

Confesso, eu ando sempre fora do tempo, atraso-me sempre e vivo num tempo muito meu, mas isso não é a “desculpa” para estar a escrever sobre felicidade uma semana depois da celebração do seu dia internacional. Ocorreu-me escrever sobre este tema depois de ter passado uma semana a olhar para os jornais, revistas, televisão e redes sociais e ter percebido a tamanha falta de felicidade que se vive em Portugal. Para além disso, achei que na primeira semana da Primavera, estar um tempo mais feio do que em muitas semanas de Inverno era o sinal que precisava para tocar em alguns assuntos mais fortes.

Ao olhar para a comunicação social e para as participações das pessoas nas redes sociais em relação às notícias, tenho visto uma profunda raiva, um amargo ódio, mas, acima de tudo, preconceito e medo. Ninguém está satisfeito com nada, com nenhuma decisão, com nenhuma escolha, ninguém tolera pontos de vista diferentes dos seus, apontando logo directamente o dedo e rapidamente vociferando, chamando de fascista, ou comunista (ou outra coisa simpática), logo agregados a um amável cumprimento e juízo de valor sobre a mãe do indivíduo, ou outra coisa qualquer.

Estes factos revelam que, na verdade, falta-nos, enquanto sociedade, um sentido de vida ligado à felicidade. Tornámo-nos máquinas incessantes de trabalho, com um objectivo concreto, criar riqueza. Contudo, o trabalho já não cria riqueza e a economia como ela existe hoje mostra-nos que não é real crescer sempre. Atribuem-se as culpas aos sucessivos governos numa desresponsabilização constante do nosso próprio papel no meio de tudo isto, simplesmente, porque a sociedade vive frustrada. Vamos na rua e vemos as pessoas de cara fechada, com pressa, cinzentas. Pare um pouco e observe o mundo à sua volta. Vai ver isto e muito mais.

Antes costumava dizer que a nossa crise é uma crise de valores, mas hoje sinto que a nossa verdadeira crise é de Amor. Deixámos de amar, de nos amar a nós e aos outros, tornámo-nos autómatos sem emoções e apenas estamos a colher tudo aquilo que plantámos, a frustração de não conseguir atingir aquilo que nos meteram na cabeça sobre para que fomos feitos.

Há uns anos, mais propriamente em 1999, num filme da saga Guerra das Estrelas, um personagem, o Mestre Yoda, falava sobre o medo, dizendo: “O medo é o caminho para o lado negro. O medo leva à raiva. A raiva leva ao ódio. O ódio leva ao sofrimento.” Eu complemento, com a devida licença destas sábias palavras, dizendo que o medo é simplesmente a ausência de Amor. Vivemos com medo de tudo, do futuro, do que não conseguimos, do que conseguimos, dos outros, de não ter dinheiro, de ficar sozinhos, disto e daquilo. Acima de tudo, temos medo de nós próprios, de sermos felizes, de vencer. Parece contraditório, mas não é. É mais fácil colocar as culpas na sociedade que sermos felizes. A felicidade dá trabalho.

Sou um apologista da felicidade e não defendo que esta seja composta de momentos, nem que podemos estar sempre felizes. Defendo, acima de tudo, que a felicidade é um estilo de vida e que, claro, é totalmente permitido haver momentos de tristeza, pois esses momentos são a libertação de emoções que não nos são naturais. Defendo ainda outra coisa: que, enquanto vivermos em função do dinheiro e do que compramos com ele, enquanto acharmos que é o dinheiro que nos vai fazer obter a felicidade, nunca poderemos ultrapassar verdadeiramente esta crise. Sim, o dinheiro voltará e o estilo de vida irá subir, iremos gastar como antigamente, mas virá outra crise, pior e mais forte, ampliando o padrão.

Antes ainda que me contestem com o previsível, sim, claro que o dinheiro é necessário para as várias coisas em que a nossa sociedade está baseada. Não, também não acredito que o dinheiro seja esse bicho mau e feio, a origem de todos os males do mundo. A questão não está no dinheiro. mas sim na forma como vivemos. Desperdiçamos comida que compramos numa ânsia da eventualidade de faltar e deitamo-la fora sem qualquer pudor. Compramos roupa para ficar no armário e ainda fazemos manchete de jornal e criticamos, quando uma figura pública repete o modelito. Como estes exemplos, tantos e tantos outros e não adianta contornar, todos nós o fazemos, sem excepção.

No entanto, se quisermos ser felizes, temos de reflectir sobre uma única coisa: o que verdadeiramente amamos. Se formos honestos connosco, vamos ver que amamos muito pouca coisa que merece esse sentimento. Pense, reflicta e sinta sobre isso. É capaz de se surpreender.

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