Deitou-se na cama com o rádio ligado enquanto ouvia uma melodia que não distinguia, enquanto ouvia vinte, cinquenta e três, cento e doze melodias seguidas que não distinguia nem diferenciava. Porque estava a pensar, estava deitada e a ouvir o seu interior, a procurar-se, e, portanto, a realidade que a esperava e que mudava fora de si naquele momento não existia.

Anteriormente, quando fechava os olhos e se perguntava “quem sou? O que quero?”, deparava-se com silêncio, como se ela não fosse mais do que uma sombra do que poderia ser. Como se não soubesse absolutamente nada a seu respeito. Mas não naquele momento; agora, quando pensava em quem era e no que queria, podia estar confusa mas nunca em silêncio. A alma borbulhava com respostas e perguntas, e ela começava a conhecer quem era e começava a encontrar o que queria, começava a saber explicar-se e entender-se. Assumiu que era parte de ser adulta, de crescer. E acreditava que nunca pararia de crescer, de se descobrir e redescobrir, de mudar, de se questionar, e sabia que acreditar nisto também fazia parte de crescer. A perfeição era uma utopia de crianças que agora deixava para trás e que a libertava de todas as culpas e de todos os “se” que carregava na alma e dos quais não precisava.

“E se eu tivesse nascido noutro país? E se não tivesse tido filhos? E se não tivéssemos emigrado? E se a minha irmã não me tivesse morrido nos braços? Seria eu diferente?”

E se, e se, e se.

Fechou os olhos e ouviu as respostas da sua mente, do seu coração. Que clichê! Mas sim, precisava de parar umas horas e ouvir-se, e reencontrar-se, e redescobrir-se, porque de outra forma o barulho lá fora, da sociedade, dos valores alheios, do superego, afogavam-na e ensurdeciam-na até ela não saber mais quem era nem como ouvir o que realmente importava. Queria bloquear esse barulho invasor, queria que lhe fosse indiferente tal como a música que sabia que tocava mas que não adivinhava – nem interessava! – qual fosse.

Abriu os olhos.

Paz. Tudo o que precisamos é paz.

Olhar para trás e saber que até gostaríamos de mudar muita coisa, de salvar muita gente e de experimentar novos caminhos, mas mesmo assim, olhando para trás e para as possibilidades infinitas do “e se” noutra dimensões, saber que não mudaríamos nem nos arrependemos de nada.

Sessenta e cinco anos para chegar a esta conclusão. Não estava mal, pensou, há quem nunca chegue.

Paz e um sorriso sábio, tranquilo e feliz.

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Rosa Machado
Curiosa e fascinada pelo que não compreende, bicho dos livros e criadora compulsiva de hipóteses mirabolantes. O tempo não existe quando há conversas filosóficas sobre nada, gargalhadas dos amigos, abraços a animais, viagens pelo mundo e todo o tipo de arte.

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