O Natal na Aldeia

Começa aquela época do ano em que evitamos contacto com as rádios, televisões e principalmente idas aos centro comerciais. Porquê? Porque ao final do primeiro dia do inicio da música da Mariah Carey, os meus ouvidos já estão prestes a explodir.

Contudo, atenção! ADORO o Natal! É aquela altura do ano em que o país fica todo catita com aquelas luzinhas todas, com aquele cheirinho a magia no ar. O centro de Lisboa tem tantas luzinhas que quem lá mora poupa imenso de eletricidade. E se houver luzinhas a piscar, até podem simular uma noite no Urban.

Comecemos, então, pelo meu objetivo deste texto: o Natal na aldeia. A melhor coisa que pode haver.

Vou começar pelos tempos primordiais da minha existência. Quando eu era uma caçoila, o Natal tinha uma magia completamente diferente da dos dias de hoje. Naquela altura, existia magia, da verdadeira.

Meados de Novembro era quando começava a algazarra, porque eu e a minha irmã davámos tanto cabo da cabeça à minha mãe que ela, coitada, fazia a árvore só para não nos ouvir mais. Atenção: não era uma árvore de plástico, daquelas que se demora meia dúzia de minutos a montar todo o cenário de Natal. Não, a minha árvore, o meu cenário demorava, se fosse preciso, uma tarde inteira.

Calçava as minhas botas quentinhas, um gorro, cachecol, luvas, um bom kispo e lá íamos na nossa jornada. Eu e os meus pais íamos mesmo à rua, aos campos, escolher a melhor árvore que havia: a mais alta, a mais robusta, a mais verdinha, aquela que me fizesse apaixonar à primeira vista. Víamos imensas árvores, até dizermos: “É aquela!” E o meu pai cortava a àrvore e trazíamos no carro. Tratava aquela árvore como se fosse a coisa mais sagrada que tinha, pois ela fazia parte da minha magia natalicia. No entanto, não íamos logo embora, faltava outra parte para o cenário da árvore: o Musgo! Sim, nós apanhávamos musgo para colocarmos todas as personagens natalicias, como se Jesus estivesse mesmo debaixo da minha árvore e toda a aldeia situava-se ali. Escolhíamos o mais verdinho para se poder aguentar o máximo que pudesse.

Chegávamos a casa e começava o filme todo: o cantinho para a árvore já estava praticamente escolhido desde o início do ano. Lembro-me de o fazermos na sala grande de jantar, onde colocávamos a enorme árvore que tínhamos trazido e a minha mãe ia ao sotão buscar as caixas com todos os adereços de natal. Começavámos por colocar as fitinhas todas color fun, de seguida colocávamos tudo o que era bolinhas, estrelas e todos os adereços. O meu pai montava o sistema de luzes e passavámos para o musgo. Colocávamos as pecinhas todas como se estivessem a contar a história de Natal e, claro, bem devagarinho para continuarmos a ter peças para os anos seguintes. Os reis magos a chegar, o estábulo, tudo bem sincronizado. No fim, os nossos pais agarravam-nos ao colo e nós as duas colocávamos a estrela no topo da árvore. Lembro-me de ficar horas parada a olhar para a árvore.

Desenganem-se se pensam que a loucura do Natal ficava por aqui. A minha mãe comprava-nos sempre um calendário com os dias todos do mês de dezembro e cada dia tinha um chocolate para comermos. Era uma emoção,quando víamos os dias a diminuir. Começávamos a pensar onde íamos fazer o grandioso jantar de Natal: na casa das minhas tias? Na nossa casa? Em todas elas, a festa era garantida. Dividiamos a festa pelas casas, cada ano na sua. Naquele ano, era na nossa casa. Começávamos a ir a casa dos meus familiares a informar que o jantar era na nossa casa e eu nem deixava os meus pais falarem, antecipava-me logo e dizia que o jantar era lá. Esqueçam lá o pegar no telefone fixo, sim, leram bem, telefone fixo e avisar a familia. Nada disso, nós íamos a casa deles. Essa era a magia do Natal, era aproximarmo-nos de todos. Natal naquela altura tinha sempre neve, mas não eram floquinhos que davam para espirrar. Não, eram mesmo nevões a sério. Lembro-me de algumas vezes ir para a casa da minha tia a pé, porque era perigoso tirarmos os carros. Ficávamos à lareira e, perto da meia noite, todos os barulhos que ouvíamos diziamos que era o Pai Natal, até que ele aparecia mesmo.

Depois de toda a gente avisada, começava outra saga: a lista das compras. Perdia quase 2h horas no hipermercado com a minha mãe, a escolher tudo o que era necessário para fazer um grande jantarão. Esqueçam lá as coisas ligths, que isso naquela altura não existia. Era tudo a que tínhamos direito: era bacalhau, era o perú, eram as batas fritas de pacote para entrada, eram os rissois, eram os enchidos, era pão com fartura, era tudo o que pudessem imaginar! A minha mãe não olhava a meios, o que ela queria era ter uma mesa bem farta. E conseguia sempre!

Quando o dia chegava, ajudava a minha mãe a colocar os pratos e todos os adereços na mesa, que mais parecia uma mesa de exposição do IKEA de tão bonita que ficava. Punhamos as entradas, as bebidas e íamos começando a adiantar o jantar. Os familiares iam começando a chegar, carregados de prendas que colocavam debaixo da árvore. Quando estavam todos, seguíamos para a mesa para dar inicio ao grandioso jantar. Falávamos alto, ríamo-nos alto, davamos gargalhadas gigantescas e comíamos. Comíamos muito. E bebia-se muito também. Depois do jantar terminar, vinha o jogo de sueca. O meu tio Zé, a minha Tia Estrela e o meu tio Lau dominavam o jogo. Ganhavam sempre! Ainda hoje. Eu ficava super-admirada a olhar para eles a jogar, mas começava já a deitar os olhos às prendas.

Enquanto os homens jogavam às cartas, nós mulheres e crianças ficávamos a ver o filme que estivesse a dar na televisão. Sim, existia um mundo sem TV Cabo e Netflix. Até que a minha mãe dizia as plavras mágicas: “Vamos abrir as prendas”. Aí ricas palavras! Sentavamo-nos no chão a abrir os presentes, quer dizer, não era abrir, era destruir literalmente os papéis de embrulho. As nossas caras de felicidade eram impagáveis. Lembro-me de tantoeu como a minha irmã dizermos muitas vezes: “Obrigada mãe! Obrigada pai! Como é que sabiam que queria isto?” Eles sabiam. Ponto. São pais. Têm aquela capacidade única de advinhar as coisas. Depois de abrirmos os presentes, ficávamos, até todas irem embora, a brincar com os brinquedos todos. Ao mesmo tempo que isto se passava na sala, na mesma sala, os homens e a minha tia Estrela continuavam a jogar à Sueca. Lá fora nevava imenso.

E este era o meu natal perfeito. Reunirmo-nos todos à mesa, à volta da lareira, contarmos histórias das asneiras que os putos faziam, contar histórias de vida de cada um, estarmos no colo dos tios, avós, etc.  No dia a seguir no dia 25, tínhamos que obrigatoriamente ir à missa.Tínhamos comprado uma vestimenta nova para estrear nesse dia e tinha de ir desfilar com ela para a missa. A igreja enchia e estava enfeitada com uma enorme árvore de Natal. Depois da missa terminar, voltávamos todos a minha casa para almoçarmos e ficarmos a tarde toda por lá na converseta e a contar mais histórias.

Adorava as história que a minha avó Maria me contava. A que mais me ficou gravada na memória foi a história dos gigantes, em que cada evento da natureza corresponde a algo que os gigantes fazem. Vou explicar: A minha Vódizia que no céu moravam gigantes. Os mesmos que tinham a galinha dos ovos de ouro? Esses mesmos. E que quando nevava eram os gigantes a fazerem bolos e deixavam cair a farinha. Quando estava muito calor, era quando deixavam as luzes ligadas. Quando chovia, estavam a tomar banho e que o nevoeiro existia, porque eles deixavam a porta da casa de banho aberta e deixavam o vapor sair. Quando granizava, eram as crianças a jogar ao berlinde. Quando haviam trovoadas, andavam nas limpezas e arrastavam os móveis. E a mais engraçada de todas era quando havia vento, pois eram os gigantes a darem “puns”.

Para o vento, a minha avó tinha ainda outra história. Que o vento antigamente era uma pessoa, mas, como ele fazia estragos sempre que passava, as pessoas batiam-lhe.Então, pediu a Deus que o ajudasse e Deus tornou-o invisível.

Ela contava-me ainda que as manchas na lua era um senhor que morava lá e que ia todos os domingos à missa (acredito que aqui tenha sido para me convencer a ir à missa).

A minha avó chegou-me a ensinar uma forma mais rápida de rezar o terço e contava tudo o que era prosas e ditados. Sempre que me lembro dela, vejo-a com um lenço preto na cabeça e o xaile preto aos ombros, sentada na cadeira pequena de palha junto à lareira, sempre a picar com um pauzinho o lume. Sempre que íamos lá jantar, fazia sempre o jantar preferido dos netos: batata frita com ovo estrelado.

E aqui entra o verdadeiro propósito do meu texto hoje. Homenagear a minha avó.

Tudo era magia, até que a um dia 24 de dezembro, o meu telefone fixo de casa toca, para nos informarem do outro lado da linha que a minha avó tinha morrido. Já não ia ouvir mais história, já não ia ouvir mais a voz dela ao telefone a perguntar se já estava melhor e quando ia lá vê-la. Já não ia mais sentar-me ao lado dela ao pé do lume. Tudo isso agora seriam apenas memórias. E vão ser. Para sempre. Porque, por mais anos que passem, as saudades, essas, nunca vão desaparecer. E o meu amor por ti, esse jamais irá extinguir-se. Haverá sempre um lugar para ti no meu coração, sempre.

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