Na véspera da grande cerimónia, César partiu, à revelia da Mãe, em busca do fruto proibido. Acordou, como todos os dias acordava, com a irradiação do crepúsculo. Coragem, disse para consigo. Depois, aproveitando a distração gerada pelos preparativos, sequestrou uma nave da guarda pretoriana.
Aos comandos da nave oblonga furou em trajectória descendente a periferia plásmica que continha a troposfera terrestre. Vencida a turbulência, deslindada a camada de nuvens eléctricas, navegou o habitat engolido pela bruma de gases nocivos que competiam entre si por primazia no submundo.
Quando a nave pousou nos degraus do defunto instituto superior técnico, a turbina insonora soprou uma clareira no lixo. Nos vários patamares da escadaria, meretrizes expunham os corpos nus no interior de casulos atmosféricos. A subespécie vivia na rua. Havia muito que a Mãe proibira edificações permanentes.
A nave não era bem-vinda. Qual del@s se atreveria a vir ao encontro de César? Qual del@s se atreveria a encostar-se com o infante que trazia ainda preso na traqueia o hálito adstringente do escravo que o ajudara a vestir-se?
O espécime que o sistema identificou como sendo o mais jovem, desceu a escadaria e investiu contra a exo-membrana da nave, brotando no cockpit, obrigando César a ceder-lhe espaço. ‘Natália,’ identificou-se sem que ninguém lho pedisse. Perante o pasmo do rapaz, perguntou: ‘O gato comeu-te a língua?’
Que pergunta tão estranha. ‘Não,’ respondeu César com toda a honestidade. ‘Os meus gatos são nutridos a energia cinética. Nasceram já sem unhas e dentes.’
Natália riu-se. ‘Demasiada informação… Vamos subir?’
A nave descolou e os dois jovens navegaram em trajectória ascendente ao longo da via projectada para lá do escudo, apertados no cockpit, com os queixos encaixados no ombro um do outro. Quarenta e um quilómetros acima do colo terrestre, a nave atracou na doca do hotel molecular que arranhava a estratosfera azul-celeste.
Natália desactivou o casulo atmosférico. ‘Tens meia-hora,’ informou e deu corda ao cronómetro. ‘É a primeira vez? Não tenhas medo. Despe-te.’
César corou. Pressionou a fivela do cinto e o uniforme holográfico desapareceu, revelando o pélvis transparente que albergava um sistema subepidérmico de circuitos biónicos.
‘Encosta-te à parede,’ Natália ordenou e César recuou até se encostar contra a membrana côncava da penthouse que tinha vista para o deserto sideral.
Natália foi sentar-se na borda da cama, no extremo oposto do quarto. À visão do corpo nu, o órgão prostético começou a crescer, levitando até cobrir a distância que separava o rapaz dela.
O órgão farejou Natália com a uretra e Natália estudou-o. Era a primeira vez que contactava com um modelo tão sofisticado. Divertida, afastou a glande das virilhas com as duas mãos. Ao toque, sentiu uma última réstia de apreensão ser substituída por um quente ardor de volúpia. Abriu as pernas. A glande gulosa acariciou-lhe a vagina.
Natália entrelaçou as pernas em redor do órgão e guiou-o para dentro de si. A penetração deveria ser lenta para que a vulva se adaptasse à extremidade octogonal do interface biomecânico. ‘Não te venhas dentro de mim,’ advertiu. ‘Não somos compatíveis.’
O infante viu-se imbuído de sensações erógenas. Pressionou a nuca contra a parede gelatinosa e o organismo arqueou e investiu sem que ele participasse conscientemente nos movimentos pélvicos que eram ditados pelo livre-arbítrio do órgão que quanto mais penetrava o corpo alheio, mais florescia, incentivado por fluídos condutores policromáticos.
Desde o extremo oposto da penthouse, ouviu Natália, entre gemidos, gritar e mandar ignorar o alarme do cronómetro.
No êxtase climático, orgasmos síncronos.
O órgão incandesceu desde Natália até ao rapaz que, electrocutado, perdeu os sentidos. O órgão recolheu. Um derradeiro fio de sémen sintético escorria de Natália. Durante a extração, o órgão chicoteou, ainda a faiscar, e quando os electrões contactaram com o fluído inflamável, uma combustão deflagrou no lençol de linho. Natália escapou da cama. Pegou no infante ao colo. Rompeu a membrana parietal da penthouse, lançando os dois em queda-livre através do gás pressurizado.
*
Oh, crepúsculo eterno que orla a fronteira com o espaço!
Quando a nave regressou aos jardins suspensos da estratosfera, a turbina fustigou as estrelícias empertigadas aos pés da balaustrada.
O órgão, em estado flácido, media cerca de trinta centímetros, e oscilou por entre os joelhos de César quando este desembarcou e atravessou combalido o vasto terraço do palacete com a intenção de recolher aos aposentos.
‘César,’ ouviu a Mãe entoar. ‘Aproxima-te.’
Compelido pelo órgão a obedecer, César foi ao encontro da monarca.
A Mãe sopesou o órgão na palma da mão. Com cuidado, segurou a glande entre o indicador e polegar e girou-a para dela obter uma vista inferior. Verificou a integridade do frénulo do prepúcio: concebido para ser indestrutível, por depender de um sistema de lubrificação conectado ao sistema venoso do hóspede, exibia um hematoma. ‘Mete-te na banheira,’ ordenou a Mãe e César obedeceu e submergiu o organismo no líquido amniótico sintético que enchia uma arcaica banheira vitoriana. O órgão deslizou da palma da mão da Mãe e regressou à sua posição natural de repouso, aninhando-se no pélvis translúcido.
A Mãe debruçou-se sobre uma cuba de cerâmica. Um eunuco veio e, vertendo água de uma jarra, encharcou o cabelo da rainha. A Mãe instalou-se numa chaise longue de onde transmitiu as instruções telepáticas. O eunuco mergulhou um bisturi na banheira e fez quatro incisões em redor da região pélvica do amo. Introduziu um fórceps através das incisões e desligou os nódulos de conexão entre as metades prostética e biológica do organismo de César. A Mãe bebeu um trago de chá gelado. Tinha a testa prelada de suor.
Assumindo uma postura bípede, apoiados nos pés de ferro da velha banheira, Yen e Yang miavam a pedir colo. Mas César não tinha colo. Sem a metade biónica, media cerca de setenta centímetros.
O eunuco transferiu a metade removida para o interior de uma campânula de vidro onde ficou armazenada a flutuar na mesma classe de líquido amniótico.
A Mãe penetrou a extremidade rosácea do coto com a agulha de um voltímetro. ‘Três quilovolts,’ mediu. ‘Vamos ter que aumentar o diâmetro da extremidade peniana.’
‘Outra vez?’ O rapaz sentia-se exausto.
‘A responsabilidade é tua. As tuas tropelias ameaçam a continuidade desta casa. Estás proibido de voltar lá abaixo.’
César pegou em Yen e pousou-o sobre o peito e o gato mergulhou na banheira e nadou graciosamente submerso sob o líquen, transmutando-se numa carpa de ventre inchado.
Yang, preterido, choramingou. O eunuco pegou nele pelo cachaço e foi mergulhá-lo na campânula.
A Mãe consultou a posição dos planetas. Entoou uma canção telepática e o eunuco regulou os nódulos receptores em conformidade com a leitura astrológica que a sua monarca lhe transmitia.
Yang transmutou-se numa espécie de enguia e carregou o compósito com electrões que energizaram o material gelatinoso, estimulando o sistema auto-regenerativo da metade prostética do dono.
O eunuco serviu o pequeno-almoço: flocos de motherboard embebidos em contact cleaner.
A Mãe administrou uma injecção no infante: uma bateria de vitaminas essencial à osmose bio sintética.
Depois de alimentado, César adormeceu e desapareceu submerso no líquido esverdeado.
O eunuco transmitiu os dados biométricos da metade prostética que reagia aos estímulos eléctricos induzidos pela Mãe: as pernas, espasmódicas, flectiram pelas rótulas; os pés giraram 360º no eixo dos tornozelos; o órgão cresceu telescopicamente até rachar o vidro grosso da campânula.
A Mãe detectou um sobreaquecimento sistémico, causado pelo trauma da penetração atípica. Conhecia pouco acerca do que respirava dentro do infante, pouco acerca daquilo que o animava, pouco acerca daquilo que o fazia sonhar.
Na – tá – li – a… Tenho febre. Estão para cima de cem graus no meu tórax.
O odor das tuas feromonas, cítrico como o odor de uma crisálida.
Na – tá – li – a… As nossas espécies serão compatíveis, apetrechadas das ferramentas e acessórios certos, ensaiada que está a ergonomia do nosso acasalamento. Reassumo o comando do meu ser, conquisto mundos e estabeleço o equilíbrio entre ecossistemas. O nosso amor simbiótico inaugurará uma neo natureza, seres híbridos, de espécie inédita, como células que, ainda por classificar, brotam de partículas geradas por electrólise no lago mais puro da gruta mais profunda do corpo celeste mais longínquo da galáxia que partilhamos apesar de criados como inimigos.
Na – tá – li -a… Vejo-te… os teus olhos verdes, os teus seios pequenos, a tua saliva, as tuas tranças de medusa. Que energia te anima!
Quero construir contigo um edifício genealógico.
Na – tá – li -a… O sonho perfeito de um infante maldito.
*
Reintegrado, o órgão estava ansioso.
Desesperado, César agarrava-se à borda escorregadia da banheira numa tentativa fútil de contrariar o avanço dos membros sintéticos comandados pelo intelecto rizomático da Mãe. Não tinha outro remédio senão seguir o apêndice peniano que avançava pelo terraço, atraído pelo vínculo telepático.
A corte aguardava pelos monarcas nos jardins suspensos.
A guarda pretoriana abriu os portões do palacete e o milagroso céu estratosférico revelou-se perante a família real. Nos campos elísios, a grande máquina reprodutora cintilava. Aclamando a Mãe, a plêiade de réplicas vergou-se numa vénia conjunta.
‘Começai,’ instruiu a rainha e a grande máquina iniciou a rotação do seu núcleo e o órgão cresceu desde a varanda cerimonial até à máquina, pairando sobre as cabeças calvas das réplicas excitadas pela perspectiva de um novo irmão.
A glande deu início à sua respectiva rotação e os dois conectores octogonais sincronizaram rpms.
O séquito regente festejou. Se o infante completa o ciclo reprodutivo, será um annus mirabilis nos jardins suspensos.
Mas quando a glande estava prestes a acoplar com o núcleo da grande máquina, César auto-inoculou-se com um injector de cetamina e o órgão caiu no relvado como um cabo de alta-tensão, desses que existiam no submundo, a chicotear os últimos estrépitos, carbonizando os hibiscos, as alstromélias e os antúrios acanteirados aos pés da vinha.
O grito de ultraje foi lancinante. As réplicas, adivinhando a sua eminente extinção, prenunciada pela renúncia do infante e único reprodutor após a morte do príncipe, ulularam em uníssono, pintando o jardim com a alvura pálida dos seus gestos sintéticos.
O fiel eunuco estendeu uma adaga e ofereceu-se para sacrifício.
A Mãe subiu para a ionosfera onde se deixou flagelar pelo vento solar. Culpava-se pelo fracasso que considerava ter sido a educação provida ao rapaz tímido que então se lançava do socalco vinhateiro para ser recolhido no éter azul da estratosfera pela cápsula que o iria levar de volta ao submundo.