Desde fevereiro de 2022 que a Europa acordou para algo que não se via desde a Guerra do Kosovo. A Europa relembrou-se do passado quezilento entre potências quando os mísseis russos explodiram na Ucrânia e, num admirável esforço coletivo, reuniu ajudas para apoiar o esforço de guerra e bens essenciais.
Enquanto isso, a avaliar pelos comentadores e políticos, o planeta vivia um período de paz desde que os talibãs recuperam o poder em Cabul. As pessoas ficaram chocadas, quando as câmaras dos meios de comunicação transmitiam a destruição que o armamento russo provocou. Muito embora, a Amnistia Internacional tenha condenado que o exército ucraniano colocava em risco civis por estabelecer bases entre eles, todos ficaram horrorizados quando se anunciavam que zonas residenciais haviam sido destruídas pelos russos.
A Europa acordou há um ano para a realidade da guerra no mundo, ainda que tenha sido protagonista em várias ao longo da sua História (mesmo a mais recente).
Ucrânia
No total, a guerra já provocou oito milhões de refugiados e 5 milhões de deslocados, havendo cerca de 17,6 milhões de pessoas a precisarem de assistência humanitária urgente1.
Para apoiar o esforço de guerra, os EUA já forneceram 73,1 mil milhões de euros, enquanto a UE ficou pelos 54,9 mil milhões de euros.
Iémen
O Iémen é considerado como tendo a pior crise humanitária de todo o mundo. A guerra civil em que o país mergulhou já provocou mais 23,4 milhões de pessoas a precisarem de ajuda humanitária, 4,4 milhões de refugiados, deslocados internos e requerentes de asilo2. As forças apoiadas e lideradas pela Arábia Saudita, que tem nos EUA um forte aliado para influenciar a região, não distinguem entre militares e civis3 no momento em que lançam os seus ataques; até as armas são, por vezes, apontadas a campos de pessoas deslocadas.
No ano passado, a ONU organizou um levantamento de donativos, porém só conseguiu angariar um terço do que se propunha, 1,3 mil milhões de dólares4.
Síria
Desde a Primavera Árabe que os sírios ficaram presos num inverno de guerras entre o poder central, apoiado pela Rússia, e várias fações, algumas apoiadas pelos EUA, que se guerreiam entre si e contra Bashar al-Assad. Como consequência, 6,7 milhões de pessoas deslocadas internas e 6,6 milhões de refugiados, a grande maioria, dispersos pelos países mais próximos. Para piorar a situação, a Turquia habitualmente bombardeia zonas onde curdos se refugiam, no nordeste sírio, para os enfraquecer e, deste modo, permanecerem como um dos povos sem nação. Com isto, armamento da NATO é usado para colocar em risco direitos básicos5 de quem só quer ter uma vida digna e livre.
Povo Rohingya
Este povo representa a minoria muçulmana no Myanmar. O fluxo de entrada destes refugiados em direção ao Bangladesh (já ascendem a mais de 943 0006) foi considerado em 2017 um dos maiores e de mais rápido crescimento que se havia registado. Num mês foram mortas 6 7007, das quais 730 eram crianças, devido à discriminação. A maioria dos refugiados são crianças e mulheres. Os EUA doaram cerca de 1,9 mil milhões de dólares8.
Palestina
A Amnistia Internacional, mais uma vez, relembrou os crimes que são diariamente perpetrados por soldados israelitas. Esta organização, inclusive, classificou de apartheid a forma como vivem. Um sistema de apartheid carateriza-se pelo regime de opressão e dominação de um povo pelo outro. Facilmente nos recordaremos do regime em que Mandela viveu no qual foi perseguido. É nesse regime que vivem 4 milhões de palestinianos. Nem mesmo o assassinato de uma jornalista palestino-americana, como Shireen Abu Akleh, provocou danos no regime israelita.
Abordei apenas alguns países e povos que vivem diariamente o que vemos acontecer na Ucrânia, no entanto, a resposta e mediatismo dados não são os mesmos. Na Ucrânia luta-se mais para favorecer a hegemonia norte-americana nos mercados de abastecimento da Europa e enfraquecimento de Putin, do que se luta pela liberdade.
Mais do que propagandas russas enganosas, não nos esqueçamos que a questão da influência crescente de grupos neonazis e de extrema-direita na Ucrânia já eram por nós comentados como se pode ver pelo artigo do Internacional Crisis Group ou do Público, onde procura explicar como é que a Ucrânia se tornou o campo de treino da extrema-direita mundial. Do lado russo, como na generalidade dos países do antigo bloco soviético, a realidade é mesma (diria que se vê por toda a Europa). Não é uma luta contra o novo Hitler, como também não foi quando os EUA invadiram o Iraque 2003, quando apoiaram milícias para derrubar Bashar al-Assad ou, ainda, quando intervieram na Líbia e que resultou num Estado falhado desde então.
É preciso olhar além do que escolhem que vejamos e pensemos para visualizarmos os outros povos que diariamente são perseguidos, têm as casas destruídas, sonhos esmagados sob opressão e armas dos países da “liberdade” e que ficam esquecidos entre as ruínas das suas desgraças.
[su_list icon=”icon: arrow-right” icon_color=”#EDBB73″]- 1) https://www.unhcr.org/ukraine-emergency.html
- 2) https://www.unhcr.org/yemen-emergency.html
- 3) https://www.amnesty.org/en/location/middle-east-and-north-africa/yemen/report-yemen/
- 4) https://www.pbs.org/newshour/world/u-n-raises-1-3-billion-for-yemen-less-than-a-third-requested-in-effort-shadowed-by-ukraine-war
- 5) https://www.hrw.org/news/2022/12/07/northeast-syria-turkish-strikes-exacerbate-humanitarian-crisis
- 6) https://www.unhcr.org/rohingya-emergency.html
- 7) https://www.muslimglobalrelief.org/rohingya-appeal
- 8) https://www.state.gov/united-states-announces-more-than-170-million-in-humanitarian-assistance-for-the-rakhine-state-rohingya-refugee-crisis