Meredith Grey, uma Força da Natureza

SPOILER ALERT: Este artigo contém spoilers do episódio “I’ll Follow the Sun”, transmitido no dia 8 de Março, na Fox Life

Desde o seu primeiro episódio como Dr.ª Meredith Grey, em Março de 2005 – quando Anatomia de Grey estreou nos EUA e se tornou num fenómeno cultural – até ao que está a ser comunicado como (uma espécie de) episódio de despedida, Ellen Pompeo conseguiu criar uma relação com todas as personagens e atores que passaram pela série. Para além da escrita repleta de expressões marcantes e da sua trama envolvente, o que fez de “Anatomia de Grey” um fenómeno foi ver Meredith a viver a sua vida. Ela era uma personagem muito pouco comum de vermos em séries de televisão: uma mulher brilhante, que teve uma vida marcada por tragédias (uma mãe a sofrer com Alzheimer e um pai totalmente ausente), mas que não ia permitir que o seu passado sinuoso definisse quem ela era. Meredith soube divertir-se, salvou muitas vidas e teve muito sexo.

E foram as relações que criou que fizeram com que a série se destacasse ainda mais. Tínhamos o elenco original que se ia desenvolvendo à sua volta: Patrick Dempsey (Derek Shepherd) e os seus amigos, Cristina Yang (Sandra Oh), Izzie Stevens (Katherine Heigl), Alex Karev (Justin Chambers) e George O’Malley (T.R. Knight), que rapidamente se tornaram na sua família (em substituição da de sangue). Tínhamos ainda os seus mentores no hospital, que acabaram por se transformar nas figuras parentais que tanto precisava – o Dr. Richard Webber (James Pickens Jr.) e a Dr.ª Miranda Bailey (Chandra Wilson).

Aliás, é no episódio de despedida de Cristina que conseguimos ter a melhor definição do dom de Meredith. Enquanto se despedia dela, no fim da Temporada 10 – e num esforço para impedir que Meredith se mude para Washington D.C. só porque Derek o queria fazer –, Cristina disse-lhe:

“You are a gifted surgeon with an extraordinary mind. Don’t let what he wants eclipse what you need. He’s very dreamy. But he is not the sun. You are.”

A sério (para usar uma das expressões favoritas de Meredith)! Cristina não podia estar mais certa. Foi ela que conseguiu criar laços convincentes com todas as personagens (tal como a actriz fez com todos os seus colegas de cena), que acabaram por ser o centro gravitacional sobre o qual toda a série se foi desenvolvendo ao longo de 19 temporadas. O elenco já mudou várias vezes, tendo saído praticamente todo o grupo original, com a excepção de James Pickens Jr. e Chandra Wilson. No entanto, Meredith continuou a criar novas relações, novas ligações, especialmente o trio fraternal que criou com as suas “irmãs” Maggie (Kelly McCreary) e Amelia (Caterina Scorsone).

A capacidade de Ellen Pompeo para criar ligações é tão poderosa, que, durante a segunda temporada – numa história dividida em duas partes, que começou depois do Super Bowl XL, em Fevereiro de 2006 –, ela conseguiu criar uma dinâmica tão interessante com o responsável pela brigada anti-bomba (Kyle Chandler), enquanto tinha a sua mão dentro do peito de um homem e segurava uma bomba. Essa ligação poderia até ter evoluído para uma relação mais séria, não é verdade? O problema foi que ele morreu, quando a bomba explodiu.

Aliás, esta série não só sempre adorou colocar a sua personagem principal a enfrentar desafios emocionais como de a colocar em perigo fisicamente. Aquela bomba foi apenas o início de um percurso bastante turbulento. Em ordem cronológica, Meredith afogou-se, depois de tratar de vítimas num acidente com um ferry; saltou para a frente de um atirador, para o impedir de disparar contra Derek; era passageira num avião que se despenhou e que matou a sua irmã Lexie (Chyler Leigh); foi submetida a uma cesariana de emergência, durante um apagão, e teve de explicar a um residente como tratar do rompimento do seu baço; e foi atacada quase até à morte por um paciente. Depois tivemos, claro, a temporada 17 em que teve COVID-19 e passou a maior parte do tempo numa praia imaginária, a ser visitada por uma longa lista de personagens que morreram em “Anatomia de Grey”, como Derek, George e Lexie.

Ultrapassámos todas estas crises juntos – até a temporada na praia, que foi especialmente difícil! – e, de cada vez, Meredith saiu mais forte, pronta a recomeçar o seu trabalho e a mergulhar de alma e coração em pesquisas científicas ainda mais ambiciosas.

E agora a Meredith vai despedir-se de Seatle – e talvez da série. Vai para Boston, em parte por causa do bem-estar mental da sua incrivelmente dotada filha, Zola (Aniela Gumbs), mas também para se juntar a Jackson (Jesse Williams), que a desafiou a tentar encontrar uma cura para o Alzheimer. Tendo em conta como esta doença está tão intimamente ligada à série, desde o seu início, é certamente um fim quase perfeito para ela.

Para além da sua iminente partida, “I’ll Follow the Sun” foi um episódio bastante normal, com várias histórias a acontecerem em simultâneo, à medida que o tempo ia passando e a hora do voo para Boston se aproximava. Existiram algumas referências ao passado da personagem muito bem construídas, especialmente durante uma cena entre Meredith e o seu namorado, Nick (Scott Speedman), que ficou zangado por ela não ter falado com ele sobre a sua mudança. Ao qual, Meredith responde:

“Sou uma mulher adulta, com uma grande vida, uma grande carreira e três filhos. E esta mudança é o que a minha filha precisa. Quero-te na minha vida, se quiseres fazer parte dela. Mas se tiver de escolher, escolho-me a mim, escolho os meus filhos e escolho o que é melhor para nós. E não vou implorar-te que me ames!”

É também interessante perceber que este monólogo foi dito no mesmo local em que Meredith fez o memorável apelo a Derek, na segunda temporada – “Pick me, choose me, love me”. Foi um maravilhoso Easter Egg que permitiu mostrar o quanto a personagem evoluiu ao longo de 19 anos.

Depois de perder uma paciente, algo raro de acontecer, Meredith ficou à porta do Grey Sloan Memorial Hospital e teve uma conversa inspiradora com Simone (Alexis Floyd), que tem uma avó que também sofre de Alzheimer. Já agora, foi aqui que as lágrimas começaram a aparecer-me nos olhos e lá se mantiveram, durante o brinde de despedida de Bailey, especialmente quando disse que Meredith tinha deixado de ser a “desgraça da sua existência” para se tornar “num dos meus maiores orgulhos”. Quando as palavras de Bailey ficaram perdidas na emoção, Richard interveio para dizer: “Dr.ª Grey, o que a Dr.ª Bailey está a tentar dizer é que este lugar não será o mesmo sem ti.”

E isto é a mais pura das verdades.

Acompanhar uma série durante tanto tempo é algo muito interessante, porque as suas personagens tornam-se em pessoas reais nas vossas vidas. “Anatomia de Grey” e Meredith Grey tornaram-se em marcos na minha vida: Eu queria que ela fosse a minha médica de família e, durante os anos de faculdade, pensei nela sempre que dormia pouco ou me sentia assoberbado com os trabalhos e os exames. Para mim, ela é tão real, que só me apetece relembrá-la do que disse a Derek, depois da despedida de Cristina:

“Your life is here, your chosen family is here, you don’t want to leave!”

Porém, sei que isto nunca iria funcionar. E “Anatomia de Grey” vai continuar a renovar-se sem Meredith e Ellen Pompeo no centro da acção – verdade seja dita, a série sobreviveu a uma temporada inteira sobre COVID-19, quando a personagem só existia numa praia algures entre o mundo real e o além.

E quem sabe, talvez a actriz decida que afinal não se quer ir embora. É certamente possível! Nem que seja, porque existe ainda um cliffhanger por resolver no final de “I’ll Follow the Sun“, com Nick a ligar a Meredith para declarar o seu amor, mas que ela fingiu não ter conseguido ouvir. Por isso, desejo que Ellen Pompeo mude de ideias e que pense nas sábias palavras que Cristina Yang uma vez disse: “Sempre que pensamos que sabemos como será o futuro, ele muda.”

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