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Porfírios, palavra mágica

Palavra mágica para gerações de jovens, Por-fi-ri-os, era o símbolo de liberdade e de alegria. Uma loja que oferecia tanto, só podia ser uma espécie de catedral que era visitada com regularidade. Londres ficava longe e era inacessível a bolsas e outras espécies de estar, logo, aquela loja tão peculiar, colmatava a falha que Lisboa e Porto, as duas grandes cidades do país, apresentavam.

No Porto, conhecida pela Porfírios das Meias, situava-se na Rua de Santa Catarina, uma artéria muito comercial, carregada de sobes e desces bem como de sacos de compras. A moda era portuguesa, mas a inspiração vinha de fora. Carnaby Street era o sonho, mas a roupa extravagante e moderna, cheia de vida e cores, estava ali, à mão de ser usada e adorada. As economias de muitos jovens, com algum esforço bem estoico, repousavam ali, no balcão da loja para oferecer uma tal satisfação que se apresentava difícil de ser explanada.

Lisboa e a sua baixa, com as ruas traçadas a régua e esquadro, do tempo do Sebastião José, albergava, na Rua da Vitória, uma espécie de uma modesta sucursal da rua emblemática de Londres. Tinha duas entradas, que convidavam amiúde como se fossem locais de feitiçaria. As salas eram escuras, os corredores estreitos e as escadas em caracol, davam a ideia de estar numa discoteca que, na época, tinha o nome de “boate”.

Não faltavam as luzes psicadélicas e muito menos aquela mais forte que sabia como apaixonar quem tinha a ousadia de querer usar as roupas coloridas, com padrões floridos ou muito exuberantes. Ser extravagante era sinónimo de irreverência e a vida era apenas uma e cheia de estilo para ser vivida. Falar desta loja era um bálsamo para muitos e a sua marca não se perdeu.

Meias até ao joelho com pés de dedos separados e salientes, bordadas com flores, riscas e cornucópias, eram a tentação de muitos que as usavam com um certo orgulho e vaidade. Suspensórios para elas e eles, sem qualquer tipo de distinção, mostrava como as diferenças eram irrelevantes. Laços soltos que podiam ser usados nas peças de roupa ou no cabelo, ou seja, para colocar onde apetecia, eram dos acessórios mais procurados para fazer a diferença.

Casacos com ombros largos, como se fosse um general medalhado, faziam par com saias curtas ou com peitilhos. Também as havia compridas, quase a arrastar no chão e soltando alguns pequenos barulhos como se de música se tratasse. Calças à boca de sino, exageradas, eram parceiras ideias de luvas com dedos de cores atraentes que aqueciam não só as mãos como o coração.

Para ter ainda a cereja em cima do bolo, as ofertas, simbólicas, mas únicas, faziam a cabeça de quem as recebia. No piso de cima, numa peculiar e louca carruagem de comboio, as meninas, vestidas com as roupas da loja, olhavam para o talão de pagamento e escolhiam o que estava à mão. Tudo sabia a muito bom e a juventude eterna.

Sinto saudades dos collants coloridos, desta moda portuguesa que era feita com amor e carinho, com algumas linhas meio soltas, mas que duravam na alma. Tudo ali era diferente do convencional e era revigorante uma visita nem que fosse para olhar e sentir as energias que emanava. Contudo, em Abril de 2001, tudo acabou e ficou um enorme vazio para milhares que a frequentaram e fizeram dessa marca uma forma de vida.

Há um casaco, com os tais ombros gigantes, que me olha quando abro a porta do armário. Desafia-me a sair e voltar a sentir aqueles tempos que não podem voltar. Afinal não era de má qualidade pois persiste, assim como outras peças que muitos devem guardar não como relíquia, mas sim como um símbolo de ter vivido tudo no tempo certo.

A marca foi uma lufada de ar fresco e veio dar animação e cor a roupas que estavam tão parametrizadas que mais pareciam uniformes militares ou religiosos. A ousadia de quem se vestia de modo exuberante, na maneira de dizer de uns, ou espampanante, na de outros, deixou marca indelével. Nestas lojas tudo valia a pena, tal como dizia o poeta, pois a alma não era pequena.

A tacanhez de mentalidade levou com um terramoto tão poderoso que nunca mais se esqueceu. Aos poucos e poucos, que a vida é mesmo assim, até os mais acérrimos defensores do clássico, se sentiam tentados a entrar num novo mundo onde a vida, de tão natural, chamava para dançar, um baile que durava até às tantas. As memórias desses tempos são colectivas e tão luminosas que jamais se poderão perder.

Porfírios ainda é tema de conversa entre muitos e os que acumularam as tão boas memórias sabem como as manter. Outros guardam, ou vestem, o que por lá compraram e acalentam o desejo absurdo da eterna juventude. Vendo bem talvez tenham razão, que a alma só envelhece se lhe for permitido. Tudo passa menos o que se eterniza nos que souberam tão bem viver.

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